No rescaldo do V Encontro de Arqueologia do Sudoeste que se realizou nos dias 18, 19 e 20 deste mês em Almodôvar, iremos disponibilizar no blogue ao longo dos próximos tempos, alguns dos posters apresentados e que de algum modo, se relacionam directa ou indirectamente com o Projecto Outeiro do Circo.
Um projecto de arqueologia social em Mombeja (Beja)Eduardo Porfirio e Miguel Serra (Palimpsesto, Lda. / CEAUCP-CAM).
Na sua génese o projecto “A transição do Bronze Final/Ferro Inicial no Sul de Portugal – o caso do Outeiro do Circo”, apresentava uma vertente dedicada à interacção com a população, procurando de algum modo, envolvê-la directa ou indirectamente nos trabalhos arqueológicos, evitando o lugar-comum do trabalho científico ser muitas vezes desligado das comunidades onde se insere. Com isto, pretendia-se inscrever o projecto na vivência quotidiana das comunidades, fazendo com que de algum modo, elas o sentissem como seu.
Esta vertente constitui-se também como um meio privilegiado para estruturar um programa cultural de longa duração, que pretende criar raízes e crescer sem perder de vista toda uma série de objectivos relacionados com o desenvolvimento regional e a valorização de bens patrimoniais de cariz local.
Várias instituições e acordos internacionais reconhecem que divulgar e dar a conhecer o património de uma forma estruturada e numa linguagem adaptada ao público-alvo, é uma componente fundamental para a preservação futura desse mesmo património. Deste modo, a divulgação é fulcral para a protecção e qualificação do património arqueológico, não se podendo proteger aquilo que se desconhece (ICOMOS, 1990; Conselho da Europa, 1992; Martín e Sivan, 2010).
A contribuição do património cultural para o desenvolvimento local e regional, é reconhecida desde há muito, no entanto, urge trabalhar no sentido de uma conciliação dos elementos históricos e geográficos individualizadores das localidades com as suas potencialidades económicas. Pretende-se assim, criar uma oferta cultural, regionalmente diferenciada e potencialmente única que proporcione experiências inéditas e distintivas ao turista e contribua para a divulgação do conhecimento sem desvirtuar a componente científica e cultural (Turismo de Portugal, 2007).
Nos dois primeiros anos de projecto (2008/2009), antes que tudo, foi necessário reafirmar localmente a mais-valia histórica e patrimonial do Outeiro do Circo, contrariando a perspectiva de abandono e esquecimento que muitas vezes rodeia os sítios arqueológicos não classificados. Em grande medida isto foi conseguido através da divulgação junto da população local, dos motivos que justificam o interesse que a comunidade científica nacional e internacional tem dedicado a este povoado. Este elemento contribuiu decisivamente para alterar a percepção que os habitantes da área de influência do projecto detinham sobre o sítio arqueológico, funcionando o capital de prestígio das instituições científicas como instrumento certificador da importância deste elemento patrimonial, à escala peninsular.
O processo de divulgação comportou ainda a produção de notas e artigos para a imprensa regional e local, a dinamização de uma campanha intitulada “Visite-nos ou Junte-se a nós” que apelava à participação voluntária nos trabalhos arqueológicos e a realização de visitas guiadas aos trabalhos arqueológicos, contabilizando estas, um total de cento e vinte visitas em dois meses. Foi também concebido uma página no Facebook e um blogue, alojado em www.outeirodocirco.blogspot.com, para divulgar informação relacionada com o projecto num espectro espacial mais alargado.
Participante na Campanha "Visite-nos ou Junte-se a nós".
No geral, procurou-se que estas actividades constituíssem para os participantes uma experiência formativa interessante, fornecendo-se numa linguagem adequada aos destinatários, toda uma série de conhecimentos teóricos e práticos sobre os objectivos e fases do projecto, as características do povoado e respectivo contexto espacial e histórico-cultural, sobre o processo de investigação em arqueologia e de que modo este poder ser rentabilizado a nível local. As repercussões positivas e o interesse demonstrado pelos participantes nas actividades realizadas foram determinantes para a concepção de uma nova fase de actuação, conceptualmente mais aprofundada, assumindo as características de um projecto de educação patrimonial. Este trabalho foi desenvolvido por um dos signatários no âmbito do Mestrado - Arqueologia e Território da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, daí resultando um documento que sistematiza e fundamenta todas as actividades programadas. Sistematização ao nível do discurso e da narrativa utilizados no decurso das actividades de divulgação, para tornar perceptível a importância e o contexto histórico do povoado do Outeiro do Circo. Neste sentido, a inexistência de estruturas arqueológicas escavadas e conservadas, poderia ser um óbice à inteligibilidade da importância do sítio, devido à associação correntemente vulgarizada entre a preservação de elementos estruturais e relevância patrimonial (González Méndez, 1995). Deste modo, a linha de taludes bem evidente no terreno e na fotografia aérea, foi utilizada como elemento central na estruturação do argumento que serve de base às visitas guiadas. Como complemento recorreu-se a alguns dos pressupostos da arqueologia da paisagem, explorando-se a relação de centralidade que o Outeiro do Circo parece desempenhar em relação a um território com grandes potencialidades do ponto de vista agrícola. Alguma da cultura material (cerâmica, elementos de foice e de mós por exemplo) recolhida no decorrer dos trabalhos arqueológicos, pode ser utilizada para reforçar esta perspectiva, que encontra correspondência directa no quotidiano de muitos dos participantes que de um modo ou de outro se relaciona ainda com a ruralidade (González Mendez e Criado Boado, 2000: 56).
A exploração de temáticas relacionadas com a paisagem e o território possibilita igualmente contrariar o carácter unidireccional que muitas vezes regula a relação entre arqueólogos e público (González Marcén, 2010). Neste caso, as comunidades locais são uma fonte de informação insubstituível pois percorrem e trabalham este mesmo território desde há gerações, deparando-se com diversos vestígios do passado e contribuindo com maior ou menor intensidade para a alteração da paisagem.
O projecto tentou salvaguardar e rentabilizar cientificamente algum deste conhecimento, encetando estratégias de colaboração que consistiram na recolha de informações sobre a actividade agrícola e consequentes alterações topográficas no Outeiro do Sítio, sobre vestígios que possibilitem a localização de sítios arqueológicos e também sobre as profundas alterações que a paisagem envolvente sofreu ao longo do século XX com a transformação da charneca em montado e mais recentemente em olival intensivo.
Solicitou-se uma participação mais activa, com um apelo à população para colaborar na identificação de locais utilizados como barreiros para a olaria e para fábricas de tijolo. Estas informações serão utilizadas no âmbito da caracterização dos elementos de argila presentes no sistema defensivo do povoado, da responsabilidade de Ana Bica, doutoranda na Universidade de Coimbra e colaboradora do projecto. Deste modo, caminhou-se no sentido de estimular a participação da comunidade local no decurso do próprio processo de investigação, contribuindo para a obtenção de dados que posteriormente serão trabalhados em gabinete e laboratório.
A implementação do novo projecto ao longo do ano de 2010, permitiu desde logo, diversificar as áreas de actuação e rentabilizar o investimento em tempo e recursos através de actividades realizadas em articulação com outras entidades, tais como a Junta de Freguesia de Mombeja, a Associação Juvenil e Cultural de Mombeja e a Biblioteca Municipal de Beja. Em conjunto com as duas primeiras entidades, organizou-se um evento envolvendo os artesãos e artistas da freguesia, em que a participação do projecto materializou-se numa pequena exposição constituída por cartazes, filmes e outro material de divulgação. O projecto Outeiro do Circo apareceu associado com a produção artesanal e artística de Mombeja, numa óptica que privilegia uma concepção abrangente do conceito de património.
Evento em conjunto com os artesão e artistas de Mombeja.
Evento em conjunto com os artesão e artistas de Mombeja.
Tornava-se necessário alargar o âmbito espacial da divulgação, apresentando por exemplo o projecto à população da cidade de Beja. Deste modo, articulou-se com a biblioteca desta cidade a realização de uma palestra seguida de debate, dedicada fundamentalmente à apresentação dos resultados de dois anos de trabalhos no Outeiro do Circo na vertente científica e social e uma antevisão das estratégias de investigação e actuação futuras. Este evento foi antecedido de uma exposição com alguma da produção científica alusiva ao projecto, assim como de alguns artigos da imprensa local e regional.
Exposição na Biblioteca de Beja.
Palestra na Biblioteca de Beja - Conversas com B de Beja.
Exposição na Biblioteca de Beja.
Palestra na Biblioteca de Beja - Conversas com B de Beja.
A estratégia de divulgação do projecto nos meios de comunicação social ampliou-se igualmente, somando à imprensa regional as rádios locais e a televisão. Neste último caso, a concepção de uma reportagem do programa Portugal em Directo da RTP, resultou de um diálogo com os jornalistas, estruturando-se em dois grandes blocos com objectivos diferenciados, um localizado no Outeiro do Circo, dedicado à apresentação dos resultados do projecto e um outro filmado em Mombeja, para dar a conhecer a perspectiva da população e das entidades políticas sobre o decorrer dos trabalhos arqueológicos. A repercussão do repto lançado no final da reportagem, convidando à visita das escavações arqueológicas, materializou-se num incremento do número de visitantes que ascendeu a 80 durante a Campanha de 2010.
Ao nível local iniciou-se uma colaboração mensal com o jornal da Associação Juvenil e Cultural de Mombeja, na qual foram sendo apresentados artigos dedicados ao projecto, à investigação em arqueologia e uma série intitulada Viagens pela história da arqueologia de Mombeja, sobre a divulgação do património arqueológico da freguesia, ao mesmo tempo que homenageava as personalidades e instituições responsáveis por esse trabalho.
Jornal da Associação Juvenil e Cultural de Mombeja.
Para o futuro estão planeadas várias actividades nomeadamente uma visita ao Museu Regional de Beja, e uma sessão de divulgação em Mombeja dedicada à apresentação dos últimos desenvolvimentos do projecto e de vários trabalhos realizados pela Palimpsesto Lda. em sítios arqueológicos da freguesia.
Bibliografia:
Conselho da Europa, 1992, Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico (revista), http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/legislacaosobrepatrimonio/, (consultado em Outubro 2010)
Conselho da Europa, 2005, Convenção Quadro do Conselho daEuropa Relativa ao Valor do Património Cultural para a Sociedade http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/legislacaosobrepatrimonio/, (consultado em Outubro 2010)
González Marcén, Paloma, 2010, La dimensión educativa de la arqueología, Memorial Luis Siret - I Congreso de Prehistoria de Andalucía: La tutela del patrimonio prehistórico, http://www.memorialsiret.es/doc/SD-Gonzalez-Dimension-educativa-arqueologia.pdf (consultado em Outubro 2010)
González Méndez, Matilde e Criado Boado, Filipe, 2000, La edad del hierro: de la investigación a la ilustración. Planteamientos y diseño del proyecto de recuperación del castro de Elviña, CAPA, 12, pp. 51-61.
González Mendéz, Matilde, 1995, La concepción de un proyecto de valorización social del património arqueológico. El plan de Toques como referente, Archivo Español de Arqueologia, 68, pp. 225 – 241.
ICOMOS, 1990, Charter for the protection and management of the archaeological heritage, http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/legislacaosobrepatrimonio/, (consultado em Outubro 2010)
Martín, Marcelo e Sivan, Renée, 2010, Patrimonio, turismo y rentabilidad socicultural, Memorial Luis Siret - I Congreso de Prehistoria de Andalucía: La tutela del patrimonio prehistórico, http://www.memorialsiret.es/doc/SD-Gonzalez-Dimension-educativa-arqueologia.pdf (consultado em Outubro 2010).
Turismo de Portugal, 2007, Plano Estratégico Nacional do Turismo – Para o desenvolvimento do turismo em Portugal, Ministério da Economia e Inovação, Lisboa.
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