quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

V Congresso de Arqueologia do Sudoeste - Posters

A ocupação da Antiguidade Tardia do Monte das Cortes 1 (Mombeja - Beja)
Eduardo Porfírio, Rui Pedro Barbosa, Alexande Valinho



Antecedentes e Enquadramento da Intervenção

A área em redor do Monte das Cortes (Mombeja, Beja) é desde há muito referenciada na bibliografia arqueológica portuguesa pelas notícias de vestígios funerários do período romano. Daqui provém um unguentário de vidro, encontrado numa sepultura de inumação construída com tijolos (Vasconcelos, 1909: 57; Alarcão, 1978: 103, 111, Est. IV n.º 18; Alarcão, 1988: 8/83 Lopes, 2003: 26). A realização de prospecções nesta mesma área, no âmbito da Carta de Património Arqueológico e Arquitectónico de Beja, resultou na identificação de sete sítios que forneceram materiais enquadráveis no mesmo período cultural (Ricardo e Grilo, no prelo).

A equipa de acompanhamento arqueológico da Palimpsesto Lda., (Miguel Serra, Eduardo Porfírio, David Sousa, Nuno Silveira) dedicou a esta área uma atenção especial durante a execução das medidas de minimização de impactes sobre o património, decorrentes da execução do projecto “Conduta Santa Vitória, Mombeja, Beringel”. O projecto da responsabilidade da EMAS, EEM, consistia na escavação de valas para a instalação de condutas de abastecimento de água às freguesias rurais do concelho de Beja.

Ao nível geomorfológico, o local da intervenção situa-se numa imensa área aplanada, cuja diferença de cotas é quase imperceptível a olho nu. Este tipo de relevo é característico da peneplanície alentejana que aqui se materializa em ondulações pouco acentuadas, com cotas entre os 200 e os 230 metros, evoluindo para uma aplanação quase perfeita nas zonas próximas de Santa Vitória (Oliveira, 1992: 11).



Descrição dos trabalhos e principais resultados

A escavação arqueológica incidiu em duas áreas distintas, uma a Oeste do Monte das Cortes que inclui as sondagens 1 a 8. A segunda área abarca as sondagens 9 a 12 e situa-se a cerca de 500 metros a Norte dos edifícios daquela exploração agrícola. (Fig. 1).


Fig. 1

No decurso dos trabalhos arqueológicos, foi possível identificar uma ocupação da Antiguidade Tardia, a que pertencem a maioria das estruturas intervencionadas, bem como outra de época medieval ou mesmo moderna. Esta última, está documentada numa interface [707] aberta no substrato geológico (Sondagem 7), que forneceu um conjunto de fragmentos de faiança, cerâmica comum e vidrada. Importa realçar ainda, a identificação na Sondagem 8 de uma estrutura escavada no solo de base, cuja tipologia e funcionalidade não foi possível aferir na sua totalidade devido à reduzida dimensão da área de intervenção. O material arqueológico exumado neste contexto é constituída por cerâmica de fabrico manual, entre os quais se destacam vários fragmentos de prato de bordo almendrado.

A ocupação da Antiguidade Tardia

Nas sondagens 2, 3 e 4, foram referenciadas três sepulturas [204], [307] e [406] de planta sub-rectangular, orientadas no sentido Oeste-Este, construídas com pedras de pequeno e médio porte toscamente aparelhadas e materiais de construção reutilizados. No seu interior identificaram-se os restos osteológicos de três indivíduos, inumados sem espólio. Apenas a sepultura [406] conservava ainda vestígios da cobertura, constituída por grandes batólitos de granito. (Fig. 2,3,4).

Fig. 2

Fig. 3

Fig. 4


Nas sondagens 1, 5, 6, e 12 registaram-se uma série de estruturas [106], [504], [607] e [1208] que embora diferindo morfologicamente entre si, apresentam características que possibilitam classificá-las como fossas/silos, embora se possa admitir uma multi-funcionalidade mais ampla do que aquela que encerra a sua designação. O espólio arqueológico é constituído maioritariamente por cerâmica comum, de construção e fauna mamalógica, em muito menor escala recolheram-se fragmentos de vidro, de uma ânfora Almagro 51 C, de terra sigillata Hispânica e Africana. (Fig. 5, 6, 7).

Fig. 5

Fig. 6



Fig. 7

O forno identificado na Sondagem 7, [712], foi construído numa depressão escavada no solo, com recurso a um aparelho composto na sua maioria por tijolos reutilizados e pedras não aparelhadas de calibre pequeno, ligados com argamassa. Uma argamassa muito semelhante foi utilizada para pavimentar o interior desta estrutura. A câmara apresenta uma planta sub-circular a que se acede através de um corredor. (Fig. 8, 9).
Fig. 8

Fig. 9

Os restantes contextos arqueológicos intervencionados não permitiram uma atribuição funcional clara. São constituídos por uma série de depressões (Sondagens 9, 11) e fossas (Sondagem 10) de morfologia muito variada. O facto da estratigrafia das estruturas identificadas nas sondagens 9 e 10 apresentar uma grande quantidade de materiais de construção inutilizados, conduziu à sua interpretação enquanto lixeiras. De referir ainda, que numa das fossas foi recolhida uma fíbula do tipo Fowler B. (Fig. 10).

Fig. 10

Breves apontamentos em jeito de conclusão

Os resultados aqui apresentados deverão ser encarados com alguma reserva, pois o estudo deste sítio arqueológico encontra-se numa fase muito inicial, principalmente no que toca ao estudo do espólio. No entanto, é desde já possível retirar algumas ilações no que toca à documentação de três grandes períodos de ocupação: Calcolítico, Antiguidade Tardia e finais da Idade Média/Idade Moderna.

O contexto calcolítico, apesar das dimensões reduzidas da área intervencionada, não descartando a hipótese de constituir uma situação isolada, deixa antever a hipótese de se tratar de uma ocupação mais vasta espacialmente. No futuro, será interessante averiguar e caracterizar mais aprofundadamente o povoamento calcolítico nesta zona dos Barros de Beja, incluindo igualmente o sítio Murteira 6 (Cf. O sítio de Murteira 6 (Mombeja – Beja) no contexto do calcolítico do Sul de Portugal, neste congresso).

No que toca à Antiguidade Tardia, os elementos obtidos, não são concludentes para definir com precisão a dinâmica da ocupação, materializada em espaços de armazenagem, de lixeira, de produção e de utilização funerária.

A partir da fíbula de tipo Fowler B, da ânfora Almagro 51 C e dos fragmentos de terra sigillata Hispânica e Africana, muitos deles recolhidos em contextos secundários, é possível apontar uma cronologia para a amortização daquelas áreas numa data posterior aos séculos IV ou V d. C. A utilização de material de construção reutilizado nas sepulturas, a inexistência de espólio e o próprio ritual de inumação são outros elementos que contribuem, em menor medida, para apoiar a cronologia proposta.

Os vestígios atribuídos aos finais da Idade Média/Época Moderna, configuram apenas mais um caso entre muitos, que testemunham a longa diacronia da ocupação humana em certos locais. Neste caso, pensamos que os recursos hídricos e as potencialidades agrícolas dos solos desta zona, conjugados com a proximidade da cidade de Beja, terão sem dúvida desempenhado um papel importante, senão mesmo central para a fixação do povoamento nesta área ao longo dos tempos.

Bibliografia:

Alarcão, J. (1978), Vidros romanos no Museu Nacional de Arqueologia, Conimbriga, 17: 101-112.

Alarcão, J. (1988), Roman Portugal, vol. II, Fasc. 3, Warminster.

Lopes, M. C. (2003), A cidade romana de Beja. Percursos e debates acerca da “civitas” de Pax Iulia, Instituto de Arqueologia, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra.

Ricardo, I. e Grilo, C. (no prelo), Carta de Património arqueológico e arquitectónico. Beja – Caderno de Mombeja, Câmara Municipal de Beja.

Tomás, J. (coord.), (1992), Notícia explicativa da Folha 8 da Carta Geológica de Portugal, Direcção Geral de Geologia e Minas, Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa.

Vasconcelos, J. L. (1909), Unguentário de Mombeja, O Arqueólogo Português, Série 1, Vol. 14, n.º 18: 57.

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