Resumo
O sítio Arroteia 6 foi identificado no decorrer dos trabalhos de minimização de impactes sobre o património, a cargo da Palimpsesto, Lda., decorrentes do projecto “Conduta Santa Vitória, Mombeja, Beringel”, que consistia na implantação de condutas de abastecimento de água às freguesias rurais do concelho de Beja, da responsabilidade da EMAS, EEM. Foram detectados vestígios de estruturas escavadas no caliço brando da região que revelavam materiais genericamente enquadráveis na Idade do Bronze.
A escavação arqueológica resultou na identificação de um silo/fossa e de uma área com esparsos vestígios de combustão, embora esta última apresente um elevado grau de perturbação devido aos trabalhos agrícolas.
As características da implantação topográfica integram este sítio na categoria dos povoados de planície, enquanto que o espólio, principalmente o cerâmico permite situá-lo cronologicamente no Bronze Final. Sendo assim, este povoado seria contemporâneo do Outeiro do Circo, o que conjugado com a proximidade geográfica entre os dois locais, possibilita equacionar a existência de uma rede de povoamento estruturada e hierarquizada (Serra e Porfírio, np).
Antecedentes e Enquadramento da Intervenção
A área da intervenção arqueológica ocupa uma plataforma de vertentes suaves que apresenta uma morfologia ovalada, rodeada por pequenos cursos de água, e perfeitamente enquadrável na unidade geomorfológica da peneplanície alentejana (Oliveira, 1992: 11). O povoado deverá ocupar parte ou a totalidade desta plataforma, apesar de apenas se ter detectado uma estrutura, situada nos limites desta área uniforme (Fig. 1 e 2).
Fig. 2
A existência de vestígios da Pré-história recente nesta zona havia sido referenciada aquando da realização de uma outra intervenção dirigida pelos signatários, na área de implantação do novo Reservatório de Mombeja. Este local designado por Monte da Arroteia 1, situa-se a cerca de 200 metros a Norte de Arroteia 6 e ocuparia o topo de uma pequena elevação de vertentes pronunciadas, ladeadas por linhas de água e com visibilidade para todos os quadrante, excepto para Norte e Oeste. Apesar de não terem sido detectados contextos arqueológicos conservados, foi recolhido um conjunto de cerca de três dezenas de fragmentos cerâmicos de produção manual, cujas características permitiam a sua atribuição ao período em questão (Porfírio e Serra, 2009).
Descrição dos trabalhos realizados e principais resultados
A intervenção arqueológica em Arroteia 6 possibilitou a identificação de duas áreas de interesse, das quais uma (Sondagem 2) havia sido bastante afectada pela intensa actividade agrícola, não permitindo definir com rigor o contexto arqueológico a que se reportava, mas documentando a existência de níveis pouco definidos com alguns vestígios de combustão (sedimento de coloração negra com carvões – Fig. 3), nos quais foram recolhidos alguns materiais cerâmicos da Idade do Bronze e um fragmento de dormente (Fig. 4, 5).
Fig. 3
A segunda área escavada (Sondagem 1) permitiu a identificação de uma estrutura negativa de tipo silo/fossa, cujos enchimentos embalavam uma grande quantidade de argila cozida e de carvões, um dormente e vários fragmentos cerâmicos, entre os quais se destaca um conjunto de taças carenadas enquadráveis no Bronze Final. Estes indícios levam-nos a colocar desde já a hipótese de estarmos perante um silo, que após desactivação, serviu como fossa, sendo preenchido com diverso material até à sua completa colmatação (Fig. 6, 7, 8, 9).
Fig. 6Fig. 9
Nos dois contextos arqueológicos, foi recolhido um conjunto variado de amostras quer sedimentológicas quer antracológicas, cujo estudo futuro desempenhará um papel relevante no conhecimento mais aprofundado das realidades intervencionadas, nomeadamente através da possibilidade de conhecer o(s) elementos do interior do silo/fossa da Sondagem 1.
Integração cultural e conclusão
A análise espacial e morfológica da envolvência de Arroteia 6 permite considerar que os vestígios identificados se podem integrar no grupo dos povoados abertos de “fossas” da Idade do Bronze, semelhantes a outros recentemente identificados nas regiões vizinhas de Beringel e Trigaches (Antunes et alii, no prelo). Assim o parece indicar a semelhança verificada ao nível da estratégia de implantação, sendo que no caso em apreço se privilegiou uma plataforma constituída por terrenos férteis integráveis nos solos de tipo “Barros Negros”, com algumas linhas de água sazonais.
Considerando todo o grupo dos povoados abertos, este sítio assume especial importância por se situar a curta distância do Outeiro do Circo (menos de 1 Km em linha recta) e também por revelar uma ocupação datável do Bronze Final, conforme se comprova através da presença das taças carenadas, com paralelos em estações de outras regiões, que foram datadas com maior rigor (Santos, et alii, 2008).
A investigação sobre este tipo de povoados encontra-se ainda numa fase inicial, escasseando os estudos de materiais e a atribuição de cronologias absolutas às suas fases de ocupação. Podemos facilmente supor que alguns destes sítios de planície, já ocupados desde o Bronze Pleno, mantiveram as suas características e funções durante o Bronze Final, sendo contemporâneos do Outeiro do Circo, integrando-se naturalmente na sua esfera de influência, eventualmente sob a sua dependência directa.
As comunidades que habitaram o Outeiro do Circo, assumiriam a gestão de um vasto território, cuja diversidade de formas de exploração e utilização, começa a ser um pouco mais perceptível.
Os novos dados permitem equacionar a existência de uma verdadeira rede de povoamento hierarquizada e polarizada em torno de um sítio principal, devidamente fortificado e de enormes dimensões, que assumiria o papel de organização e controle de um vasto território que seria preenchido por diversos sítios de dimensões variáveis, situados em zonas planas, que teriam acesso directo aos recursos naturais, nomeadamente aos agropecuários, que explorariam. Num outro nível de análise, será ainda de supor a existência de pequenas quintas ou granjas, de ambiente familiar, aparentadas aos povoados abertos, quer ao nível da estratégia de implantação, quer no tipo de elementos constituintes, mas de dimensão inferior, que complementariam o povoamento da região.
Para completar o quadro do quotidiano destas populações, falta-nos ainda conhecer outro tipo de espaços, como as necrópoles, onde foram sepultados os habitantes do Outeiro do Circo (os habitantes dos povoados abertos, enterrariam os seus mortos, preferencialmente no próprio local, como sugere o aparecimento de enterramentos em fossas), ou as vias de comunicação, aqui entendidas como caminhos naturais, por onde circulariam bens e pessoas ou os espaços rituais, que para além dos existentes no interior do povoado (se entendermos as rochas com covinhas a partir de uma perspectiva simbólica) poderiam ocorrer em diversos tipos de lugares, como rios, colinas, etc.
Bibliografia:
Antunes, Ana Sofia, Deus, Manuela de, Soares, António Monge, Santos, Filipe, Arêz, Luís, Dewulf, Joke, Baptista, Lídia e Oliveira, Lurdes (no prelo), Povoados abertos do Bronze Final no Médio Guadiana, Encontro Sidereum Ana II, Maio de 2008.
Oliveira, José Tomás (coord.), (1992), Notícia explicativa da Folha 8 da Carta Geológica de Portugal, Direcção Geral de Geologia e Minas, Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa.
Porfírio, E. e Serra, M. (2009), Conduta Santa Vitória, Mombeja, Beringel (Beja). Sondagens Arqueológicas – Reservatório de Mombeja (Arroteia 1). Relatório Final. Relatórios Palimpsesto.
Santos, Filipe J. C., Arêz; Luís, Soares; António Monge, Deus, Manuela de, Queiroz; Paula F, Valério, Pedro, Rodrigues, Zélia, Antunes, Ana Sofia, Araújo, Maria de Fátima (2008) O Casarão da Mesquita 3 (S. Manços, Évora): um sítio de fossas “silo” do Bronze Pleno/Final na encosta do Albardão, Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 11, n.º 2, pp. 55-86.
Serra, M. e Porfírio, E. (no prelo), O povoado do Bronze Final do Outeiro do Circo (Mombeja, Beja). Balanço de 2 anos de investigação, IIº Encontro de Jovens Investigadores, Universidade do Porto, CEAUCP/CAM, 9, 10 de Abril de 2010.
2 comentários:
parabén pelo poster e pelo achado. Chamo a atenção para o problema das hierarquias que pode ser muito complexo e muito pouco linear. A propósito disso podem consultar as várias hipóteses já equacionadas para o NW peninsular na Pré-História Recente do Minho.
Abraço
Ana Bettencourt
Obrigado Ana. De facto as estratégias de ocupação do território no Bronze do Sudoeste e em particular nesta região afiguram-se como uma realidade cada vez mais complexa e com grande poliformismo. Esperemos que o vasto conjunto de sítios intervencionados por diversas empresas comece a ser devidamente publicado para que a discussão ganhe novos elementos e seja possível a realização de uma análise mais vasta sobre o território.
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