Partilhamos um texto do nosso amigo João Laia sobre uma ação de "landscape art" efémera realizada no Outeiro do Circo.
A cara do Outeiro do Circo
O sítio exato da intervenção revelou-se durante a subida do cerro. Nada de muito palpável como ponto de partida para fazer um desenho no chão: o terreno amarelo e limpo, qual folha de papel, o pequeno bosque, na cumeeira, e o céu azul.
A marca escura de uma fogueira que alguém ali acendera constituiria um dos olhos da figura, e o arvoredo, os cabelos. Troncos, galhos, pedras e torrões de terra lavrada, recolhidos em redor, (mais uns feixes de palha clara, para dar brilho aos olhos) completam a lista de material.
Conheci o Outeiro do Circo há alguns anos, numa visita organizada pela equipa responsável pelo projeto arqueológico, e já lá voltei diversas vezes, sozinho. É um lugar muito intenso para mim: a topografia, os vestígios da muralha, tão escondida e tão presente, a vegetação silvícola – uma ilha na imensidão agrícola.
A ideia de criar uma composição efémera neste local, com elementos da natureza, surgira há já algum tempo e a sua concretização constituiu, para mim, uma espécie de homenagem ou de evocação dos homens e mulheres da Idade do Bronze que aqui viveram. A visão fugaz de um rosto há muito desaparecido.
Deu algum trabalho controlar o desenho – há que subir e descer a ladeira muitas vezes para perceber o efeito ao longe, descansar um pouco (na sombra do bosque, pois estava um calor abrasador), reposicionar alguns elementos e, de súbito, a cara ganhou vida.
No final, retirei os troncos e as pedras. Ficaram apenas no sítio alguns torrões, que neste momento já devem estar desfeitos, e a marca da fogueira, que ainda lá deve estar.
É como se a cara já tivesse desparecido há muito tempo, ou nunca tivesse existido, não fora a divulgação da prova fotográfica, no próprio dia.
A princípio, não revelei o local, era para permanecer secreto, mas foi descoberto por alguém que conhecia demasiado bem aquelas árvores.
João Laia
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