A 3ª e última campanha do Projeto Arqueológico do Outeiro do Circo
terminou no dia 27 de Agosto, colocando um ponto final nos trabalhos deste
projeto iniciado em 2019.
Foram
20 dias de trabalho, iniciados a 2 de Agosto, que revelaram algumas novidades,
destacando-se a presença da muralha da Idade do Bronze e a recolha de diversos materiais associados a ocupações
da Idade do Ferro, entre outras.
A
equipa contou com um total de 10 voluntários, de áreas de formação distintas,
sob a direção de Sofia Silva, da Axis Mundi, Archaeology & Heritage, e
coordenação de Miguel Serra, da Câmara Municipal de Serpa e Eduardo Porfírio,
da Câmara Municipal de Sintra.
O
principal destaque da campanha de 2021 vai para o alargamento da área de
escavação sobre a muralha, permitindo a confirmação do bom estado de
preservação que já havia sido observado em 2020. Estes trabalhos colocaram à
vista um troço de cerca de 8 metros de largura da muralha, na sua parte superior,
onde se encontra devidamente preservado um embasamento de pedra bem estruturado, delimitado por dois alinhamentos de pedra claramente
diferenciados, e o espaço interior colmatado com um enchimento de pedra mais
irregular e que se encontra separado dos alinhamentos por um sedimento
esbranquiçado formado por cinzas e terras de tonalidade branca pouco compactas.
Este nível de cinzas cobre ainda o interior da muralha e permitiu a recolha de
uma vasta quantidade de cerâmicas do Bronze Final, entre as quais se encontram
vários fragmentos com decorações em “ornatos brunidos”, para além de uma
importante coleção de fauna, observando-se a presença regular de ossos
carbonizados.
Os
restantes elementos da muralha confirmam o tipo de estrutura anteriormente
identificado na sondagem 1 (trabalhos de 2008 a 2013), onde se assinala uma
rampa de barro cozido que preenche a zona mais inclinada no talude entre o
embasamento pétreo acima descrito e um largo muro de contenção exterior.
A
principal diferença entre o tipo de construção identificado neste troço, em
relação ao outro já identificado numa área que dista cerca de 20 metros para
Sudoeste, centra-se na estrutura do embasamento pétreo do muro superior que
aqui apresenta maior largura e uma construção mais cuidada e regular. Se na
sondagem 1 o muro superior tinha cerca de 1 metro de largura, sendo constituído
por dois alinhamentos pétreos algo irregulares, preenchidos no interior por
cascalho e terras compactadas, no caso agora detetado, o muro superior
apresenta 2,5 metros de largura, com os alinhamentos claramente marcados com
pedras em “cutelo” e reforçadas por pequenos calços na base, e um robusto
enchimento interior constituído por pedras do mesmo calibre das utilizadas nos
alinhamentos, onde se evidenciam muitos fragmentos de dormentes de mós aí
reutilizados. Também os sedimentos que cobrem ambos os troços são bastante
distintos, sendo que na área agora escavada identifica-se um claro nível de
terras esbranquiçadas com muitas cinzas e que reportam a utilização do fogo
nesta zona, sem que se compreenda claramente a razão.
Na zona mais interior da sondagem identificou-se a presença de níveis de ocupação da Idade do Ferro, onde surgem cerâmicas com caraterísticas distintas do reportório habitual da Idade do Bronze, com destaque para um grande recipiente fraturado in situ, e que ainda se encontra a ser restaurado. Apesar do estudo de materiais ainda estar em curso, os materiais recolhidos ao longo de uma camada de terras escuras que parece formar uma vala paralela à muralha, parecem integrar-se numa fase avançada da Idade do Ferro, hipótese que estará sujeita a confirmação posterior.
Nesta
área confirmou-se ainda a continuidade do alinhamento de pedras, de forma
irregular, que de desenvolve paralelo à muralha, a cerca de 1,5 a 2 metros para
o interior do povoado, e um nível de barro cozido que forma uma base plana, com
presença de muitas pedras de pequena dimensão no seu interior, e que encosta no
alinhamento pétreo. Até ao final da campanha não foi possível concluir a
escavação integral deste nível de barro cozido, de onde se recolheram vários
fragmentos cerâmicos atribuíveis ao Bronze Final e algumas amostras para
eventuais trabalhos analíticos posteriores que possam vir a lançar alguma luz
sobre a sua interpretação.
A
campanha de 2021 também permitiu algum regresso à normalidade no que diz
respeito às visitas às escavações arqueológicas, registando-se 74 visitantes,
alguns deles tendo aproveitado para participar nos trabalhos durante algumas
horas. Recordamos que as restrições impostas pelo combate à pandemia COVID 19
limitaram em muito a programação de visitas no ano anterior.
O
plano de formação aos voluntários integrou a realização de diversas ações,
desde logo uma visita ao Museu Regional de Beja, onde houve a oportunidade de
acompanhar os trabalhos da arqueóloga Marta Díaz-Guardamino, professora da
Universidade de Durham (Reino Unido), que se encontrava em Beja a realizar
levantamentos de alta resolução para a criação de modelos digitais sobre as
estelas da Idade do Bronze que integram a coleção do museu no âmbito do projeto
RAW – Rock Art, Atlantic Europe, Words and Warriors.
O
plano de formação incluiu ainda 3 sessões realizadas em Mombeja, no café
“Esquina do Mousinho”, sob o já habitual conceito de Barferências, onde temas
de investigação são apresentados e discutidos em ambiente informal. A primeira
barferência ficou a cargo de Nelson J. Almeida, investigador da UNIARQ e
centrou-se numa apresentação geral sobre zooarqueologia e numa breve síntese
comparativa de alguns casos de estudo entre o Calcolítico e a Idade do Bronze
no Sul de Portugal. A barferência seguinte foi da responsabilidade de Luís
Laceiras, da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Canas de
Senhorim, que apresentou o interessante projeto de divulgação arqueológica e
patrimonial desenvolvido pela seção cultural desta instituição e que se trata
de um caso de caraterísticas únicas no país. A última barferência foi
dinamizada por João Barreira, arqueólogo do Museu Regional de Beja, sobre
fotogrametria aplicada ao património, recorrendo ao exemplo dos trabalhos
realizados no Outeiro do Circo através do apoio prestado pela Direção Regional
de Cultura do Alentejo nos levantamentos fotogramétricos das estruturas
arqueológicas descobertas este ano.
Concluímos
este balanço da campanha de 2021 com o agradecimento aos voluntários que
integraram a equipa: Borja Seoane, Elena Duque, Tiago Terra, Nelson J. Almeida,
Denise Lima, Laura Perez, Bruno Reginaldo, Samuel Paulo, Eva Guedes e Ricardo
Guedes; aos “Barferencistas” Nelson J. Almeida, Luís Laceiras e João Barreira,
e à Marta Díaz-Guardamino pela disponibilidade para nos apresentar os trabalhos
que se encontrava a realizar em Beja.
Um
agradecimento às entidades que deram apoio à campanha de 2021 do Projeto
Outeiro do Circo, nomeadamente Câmara Municipal de Beja, Palimpsesto – Estudo e
Preservação do Património Cultural, Lda., União de Freguesias de Santa Vitória
e Mombeja, Grupo Desportivo e Cultural de Mombeja e Direção Regional de Cultura
do Alentejo.
Por
último deixamos o nosso grande obrigado aos amigos e amigas de Mombeja que a
nós se juntaram em diversos momentos de convívio fraterno e em particular à
equipa do café “Esquina do Mousinho” pelo habitual acolhimento irrepreensível e
ao José Luís Mousinho, ao Jorge Serrano e à Maria José Ruas pelo caloroso
momento de despedida com que nos brindaram no final da campanha e a todos os
que aí estiveram presentes.
O
Projeto Outeiro do Circo de 2019-2021 chega ao fim, mas segue-se um ano de 2022
dedicado ao estudo e publicação dos resultados obtidos, e algumas surpresas que
contamos anunciar ao longo do próximo ano. Mas ainda em 2021 haverá lugar a mais iniciativas, informando-se desde já sobre a realização de um colóquio dedicado à investigação conduzida no Outeiro do Circo nos últimos anos e que terá lugar em Beja a 16 de Outubro e cujo programa será brevemente divulgado.
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