quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Campanha arqueológica de 2021: balanço

A 3ª e última campanha do Projeto Arqueológico do Outeiro do Circo terminou no dia 27 de Agosto, colocando um ponto final nos trabalhos deste projeto iniciado em 2019. 

Foram 20 dias de trabalho, iniciados a 2 de Agosto, que revelaram algumas novidades, destacando-se a presença da muralha da Idade do Bronze e a recolha de diversos materiais associados a ocupações da Idade do Ferro, entre outras. 

A equipa contou com um total de 10 voluntários, de áreas de formação distintas, sob a direção de Sofia Silva, da Axis Mundi, Archaeology & Heritage, e coordenação de Miguel Serra, da Câmara Municipal de Serpa e Eduardo Porfírio, da Câmara Municipal de Sintra.

O principal destaque da campanha de 2021 vai para o alargamento da área de escavação sobre a muralha, permitindo a confirmação do bom estado de preservação que já havia sido observado em 2020. Estes trabalhos colocaram à vista um troço de cerca de 8 metros de largura da muralha, na sua parte superior, onde se encontra devidamente preservado um embasamento de pedra bem estruturado, delimitado por dois alinhamentos de pedra claramente diferenciados, e o espaço interior colmatado com um enchimento de pedra mais irregular e que se encontra separado dos alinhamentos por um sedimento esbranquiçado formado por cinzas e terras de tonalidade branca pouco compactas. Este nível de cinzas cobre ainda o interior da muralha e permitiu a recolha de uma vasta quantidade de cerâmicas do Bronze Final, entre as quais se encontram vários fragmentos com decorações em “ornatos brunidos”, para além de uma importante coleção de fauna, observando-se a presença regular de ossos carbonizados.



Os restantes elementos da muralha confirmam o tipo de estrutura anteriormente identificado na sondagem 1 (trabalhos de 2008 a 2013), onde se assinala uma rampa de barro cozido que preenche a zona mais inclinada no talude entre o embasamento pétreo acima descrito e um largo muro de contenção exterior.

A principal diferença entre o tipo de construção identificado neste troço, em relação ao outro já identificado numa área que dista cerca de 20 metros para Sudoeste, centra-se na estrutura do embasamento pétreo do muro superior que aqui apresenta maior largura e uma construção mais cuidada e regular. Se na sondagem 1 o muro superior tinha cerca de 1 metro de largura, sendo constituído por dois alinhamentos pétreos algo irregulares, preenchidos no interior por cascalho e terras compactadas, no caso agora detetado, o muro superior apresenta 2,5 metros de largura, com os alinhamentos claramente marcados com pedras em “cutelo” e reforçadas por pequenos calços na base, e um robusto enchimento interior constituído por pedras do mesmo calibre das utilizadas nos alinhamentos, onde se evidenciam muitos fragmentos de dormentes de mós aí reutilizados. Também os sedimentos que cobrem ambos os troços são bastante distintos, sendo que na área agora escavada identifica-se um claro nível de terras esbranquiçadas com muitas cinzas e que reportam a utilização do fogo nesta zona, sem que se compreenda claramente a razão.

 
2012
                                                              
2021

Na zona mais interior da sondagem identificou-se a presença de níveis de ocupação da Idade do Ferro, onde surgem cerâmicas com caraterísticas distintas do reportório habitual da Idade do Bronze, com destaque para um grande recipiente fraturado in situ, e que ainda se encontra a ser restaurado. Apesar do estudo de materiais ainda estar em curso, os materiais recolhidos ao longo de uma camada de terras escuras que parece formar uma vala paralela à muralha, parecem integrar-se numa fase avançada da Idade do Ferro, hipótese que estará sujeita a confirmação posterior.

Nesta área confirmou-se ainda a continuidade do alinhamento de pedras, de forma irregular, que de desenvolve paralelo à muralha, a cerca de 1,5 a 2 metros para o interior do povoado, e um nível de barro cozido que forma uma base plana, com presença de muitas pedras de pequena dimensão no seu interior, e que encosta no alinhamento pétreo. Até ao final da campanha não foi possível concluir a escavação integral deste nível de barro cozido, de onde se recolheram vários fragmentos cerâmicos atribuíveis ao Bronze Final e algumas amostras para eventuais trabalhos analíticos posteriores que possam vir a lançar alguma luz sobre a sua interpretação.


Entre os restantes materiais identificados nesta campanha, para além dos já mencionados conjuntos cerâmicos e faunísticos, recolheram-se alguns fragmentos disformes e pequenas hastes metálicas em liga de cobre, um denticulado de foice, a juntar às 3 dezenas recuperadas em anos anteriores, e vários fragmentos de dormentes de mós em rocha local (gabros), que atestam claramente a importância da atividade agrícola para as comunidades do Bronze Final que habitaram o Outeiro do Circo.

A campanha de 2021 também permitiu algum regresso à normalidade no que diz respeito às visitas às escavações arqueológicas, registando-se 74 visitantes, alguns deles tendo aproveitado para participar nos trabalhos durante algumas horas. Recordamos que as restrições impostas pelo combate à pandemia COVID 19 limitaram em muito a programação de visitas no ano anterior.



No âmbito das ações de divulgação há ainda que mencionar a participação de dois elementos da equipa (Sofia Silva e Eduardo Porfírio) na iniciativa promovida pela Câmara Municipal de Beja, “Pelas Aldeias de Beja”, que incidiu num passeio comentado pela aldeia de Mombeja, com diversos temas de interesse, entre os quais a arqueologia e os trabalhos desenvolvidos no Outeiro do Circo.


O plano de formação aos voluntários integrou a realização de diversas ações, desde logo uma visita ao Museu Regional de Beja, onde houve a oportunidade de acompanhar os trabalhos da arqueóloga Marta Díaz-Guardamino, professora da Universidade de Durham (Reino Unido), que se encontrava em Beja a realizar levantamentos de alta resolução para a criação de modelos digitais sobre as estelas da Idade do Bronze que integram a coleção do museu no âmbito do projeto RAW – Rock Art, Atlantic Europe, Words and Warriors.



Foram ainda realizadas visitas a diversos sítios arqueológicos e museus da região, como as villae romanas de Pisões (Beja), e de São Cucufate (Vidigueira), Museu Municipal de Arqueologia e Castelo de Serpa e Núcleo Museológico da Rua do Sembrano (Beja).

O plano de formação incluiu ainda 3 sessões realizadas em Mombeja, no café “Esquina do Mousinho”, sob o já habitual conceito de Barferências, onde temas de investigação são apresentados e discutidos em ambiente informal. A primeira barferência ficou a cargo de Nelson J. Almeida, investigador da UNIARQ e centrou-se numa apresentação geral sobre zooarqueologia e numa breve síntese comparativa de alguns casos de estudo entre o Calcolítico e a Idade do Bronze no Sul de Portugal. A barferência seguinte foi da responsabilidade de Luís Laceiras, da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Canas de Senhorim, que apresentou o interessante projeto de divulgação arqueológica e patrimonial desenvolvido pela seção cultural desta instituição e que se trata de um caso de caraterísticas únicas no país. A última barferência foi dinamizada por João Barreira, arqueólogo do Museu Regional de Beja, sobre fotogrametria aplicada ao património, recorrendo ao exemplo dos trabalhos realizados no Outeiro do Circo através do apoio prestado pela Direção Regional de Cultura do Alentejo nos levantamentos fotogramétricos das estruturas arqueológicas descobertas este ano.



Concluímos este balanço da campanha de 2021 com o agradecimento aos voluntários que integraram a equipa: Borja Seoane, Elena Duque, Tiago Terra, Nelson J. Almeida, Denise Lima, Laura Perez, Bruno Reginaldo, Samuel Paulo, Eva Guedes e Ricardo Guedes; aos “Barferencistas” Nelson J. Almeida, Luís Laceiras e João Barreira, e à Marta Díaz-Guardamino pela disponibilidade para nos apresentar os trabalhos que se encontrava a realizar em Beja.

Um agradecimento às entidades que deram apoio à campanha de 2021 do Projeto Outeiro do Circo, nomeadamente Câmara Municipal de Beja, Palimpsesto – Estudo e Preservação do Património Cultural, Lda., União de Freguesias de Santa Vitória e Mombeja, Grupo Desportivo e Cultural de Mombeja e Direção Regional de Cultura do Alentejo.

Por último deixamos o nosso grande obrigado aos amigos e amigas de Mombeja que a nós se juntaram em diversos momentos de convívio fraterno e em particular à equipa do café “Esquina do Mousinho” pelo habitual acolhimento irrepreensível e ao José Luís Mousinho, ao Jorge Serrano e à Maria José Ruas pelo caloroso momento de despedida com que nos brindaram no final da campanha e a todos os que aí estiveram presentes.

O Projeto Outeiro do Circo de 2019-2021 chega ao fim, mas segue-se um ano de 2022 dedicado ao estudo e publicação dos resultados obtidos, e algumas surpresas que contamos anunciar ao longo do próximo ano. Mas ainda em 2021 haverá lugar a mais iniciativas, informando-se desde já sobre a realização de um colóquio dedicado à investigação conduzida no Outeiro do Circo nos últimos anos e que terá lugar em Beja a 16 de Outubro e cujo programa será brevemente divulgado. 


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