A campanha arqueológica do Projecto Outeiro do Circo (Beja) decorreu entre 3 e 28 de Agosto, num total de 20 dias de trabalhos.
O povoado muralhado do Bronze Final do Outeiro do Circo, situado a cerca de 18 km a Oeste da cidade de Beja, é alvo de escavações arqueológicas desde 2008, inserindo-se os trabalhos actuais num projecto de investigação iniciado em 2019.
O presente projecto tem como principal objectivo clarificar a ocupação do espaço interior do povoado, documentando os aspectos do seu quotidiano e a respectiva articulação com as muralhas que o rodeavam na totalidade, bem como conhecer melhor as ocupações de períodos posteriores à Idade do Bronze, sobre as quais têm surgido alguns indícios nos últimos anos.
Os trabalhos arqueológicos de 2020 permitiram documentar a presença de vestígios da Idade do Ferro junta à muralha, que consistiam maioritariamente em materiais cerâmicos, incluindo diversas peças decoradas e alguns recipientes fragmentados no local, bem como elementos de adorno metálicos. Estes indícios não permitem ainda esclarecer a natureza da ocupação do Outeiro do Circo durante a Idade do Ferro, período em que o local já estaria abandonado, mas continuaria ainda a ser frequentado pelas populações que habitariam sobretudo nas zonas de planície envolventes.
O principal destaque da campanha de 2020 é assumido pela descoberta de um troço de muralha da Idade do Bronze.
A muralha já era conhecida de trabalhos anteriores, mas o troço intervencionado este ano incidiu sobre uma área em melhores condições de preservação, que não sofreu afectações ou destruições recentes provocadas por trabalhos agrícolas, ao contrário do que foi observado na área de muralha escavada no âmbito de outro projecto de investigação que decorreu entre 2008 e 2013.
A muralha apresenta um embasamento em pedra bem estruturada e com um preenchimento efectuado com recurso a terras esbranquiçadas com material geológico recolhido nas imediações e que conferem grande robustez à estrutura. A encosta junto à muralha também se encontra reforçada por soluções engenhosas que revelam a criação de rampas realizadas com terras compactadas e barro cozido, permitindo que os terrenos de barro sofressem menos deslizamentos de terras e conferindo estabilidade para a construção da muralha pétrea. No exterior do talude detectou-se ainda um fosso que deverá ser escavado em 2021.
A zona da muralha permitiu ainda a recolha de grande quantidade de materiais cerâmicos em bom estado de conservação, entre os quais se destaca a presença das cerâmicas com decoração em "ornatos brunidos", típicas do Sudoeste Peninsular durante o Bronze Final, mas também outras peças decoradas que remetem para a existência de contactos com outras regiões mais afastadas. Esta área de intervenção permitiu ainda a recolha de uma grande quantidade de ossos de animais, cujo estudo será essencial para o conhecimento das práticas pecuárias e cinegéticas, entre outros aspectos.
A escavação da área adjacente à muralha, para a zona interior do povoado, também revelou diversas novidades. O objectivo dos trabalhos neste sector incidiam na necessidade de compreender uma possível estrutura habitacional descoberta nos trabalhos anteriores realizados em 2016 e 2017. No entanto, o alargamento desta área de escavações permitiu verificar que estes vestígios correspondem na verdade a uma muro em pedra, paralelo à muralha e cujo espaço entre ambas as estruturas foi preenchido por diversas camadas de terra compactadas, podendo o referido muro corresponder a um reforço ou remodelação do sistema defensivo ocorrido ainda durante o Bronze Final.
O restante espaço intervencionado nesta zona continua a revelar sucessivas camadas de terra, compostas pelos barros pretos típicos da região, assinalando-se a recolha de grande quantidade de fragmentos cerâmicos, faunas, alguns artefactos em pedra relacionados com a prática agrícola (elementos de foice e mós) e diversos elementos metálicos, em cobre ou em bronze, como agulhas, punções, hastes indeterminadas ou nódulos de fundição, que atestam a produção de peças de bronze no interior do povoado e incidem maioritariamente em objectos relacionados com o trabalho têxtil ou com elementos de adorno.
Participaram nos trabalhos um total de 15 voluntários, sob coordenação dos arqueólogos Miguel Serra (Câmara Municipal de Serpa e Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências de Património da Universidade de Coimbra) e Sofia Silva (Axis Mundi - Heritage & Archaeology), que incluíram estudantes de licenciatura, mestrado e doutoramento em Arqueologia das universidades de Lisboa, Coimbra, Évora e Santiago de Compostela, bem como estudantes e profissionais de outras áreas.
O Projecto Outeiro do Circo aposta habitualmente numa forte componente de divulgação, que este ano teve de sofrer adaptações face às restrições provocadas pela pandemia Covid 19.
Assim, a aposta centrou-se na divulgação dos trabalhos através de formato online, mas manteve-se a opção de realizar uma série de conferências presenciais direccionadas para os participantes no projecto, que estão incluídas no plano de formação anual, e que contaram com apresentações de temas muito diversos a cargo da equipa de investigação do Projecto, como o historial de investigação do sítio e um enquadramento sobre a Idade do Bronze do Sudoeste, conferências apresentadas por Miguel Serra, e uma formação sobre zooarqueologia que incluiu alguns resultados dos estudos faunísticos das colecções do Outeiro do Circo, apresentada pelo zooarqueólogo Nelson J. Almeida, colaborador do Projecto Outeiro do Circo e investigador da UNIARQ-Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa.
As conferências incluíram ainda 3 comunicações apresentadas por voluntários e que se reportaram a trabalhos por eles desenvolvidos noutras regiões. A primeira destas sessões foi apresentada por Borja Rey Seoane, estudante de doutoramento em Santiago de Compostela, dedicada a trabalhos de arqueologia experimental sobre artefactos líticos de uso culinário na Cultura Castreja, seguindo-se o arqueólogo Vítor Silva, de Braga, com uma comunicação sobre os seus trabalhos na região de Monção e em particular no Castro de São Caetano, da II Idade do Ferro e por fim, Rita Pereira, estudante de mestrado em arqueologia na Universidade de Coimbra, que deu a conhecer outro projecto de arqueologia experimental que consistiu na construção de uma cabana pré ou proto-histórica.
Houve ainda lugar a duas conferências com convidados, Samuel Melro e Carlos Pedro, técnicos superiores de arqueologia e antropologia, respectivamente, na Direcção Regional de Cultura do Alentejo. O primeiro centrou a sua apresentação nos trabalhos de salvaguarda arqueológica no âmbito de processos agrícolas, mas também no enquadramento legal dos trabalhos arqueológicos em Portugal, enquanto que o segundo orador deu a conhecer as práticas agrícolas no Baixo Alentejo Interior ao longo dos últimos 100 anos e as respectivas mudanças e transformações na paisagem.
Ainda no campo da formação aos voluntários há que referir duas breves sessões, a primeira dedicada às cerâmicas do Outeiro do Circo e dinamizada por Sofia Silva, arqueóloga responsável pelo estudo de materiais e directora de campo dos trabalhos, e a segunda por Sofia Soares, geóloga, consultora científica do Projecto que realizou uma sessão sobre os recursos geológicos na envolvente ao Outeiro do Circo.
No campo da divulgação este ano apresentou diversas condicionantes, que levaram à decisão de não promover as habituais visitas guiadas às escavações ou as sessões com grupos de jovens em férias. No entanto, a curiosidade sobre os trabalhos em curso no Outeiro do Circo levaram a que regularmente vários interessados se deslocassem ao sítio para conhecer as novas descobertas, tendo-se registado um total de 33 visitantes.
No final da campanha decidiu-se fazer uma apresentação ao público, na aldeia de Mombeja, que acolheu a equipa durante o mês de Agosto, com o apoio da União de Freguesias de Santa Vitória e Mombeja, e que consistiu numa sessão ao ar livre no Largo da Igreja, perante cerca de 40 assistentes, devidamente munidos de máscaras e em condições para manter o distanciamento entre os participantes, na qual se contou com a colaboração de todos os voluntários que relataram as suas experiências na campanha arqueológica e apresentaram diversos achados, bem como a informação que estes nos podem transmitir.
Os fins de semana foram também ocupados com diversas visitas ao património histórico e arqueológico da região, contemplando visitas guiadas a diversos museus e monumentos como o Núcleo Museológico da Rua do Sembrano (Beja), Museu Regional de Beja, Castelo de Beja, Villa Romana de Pisões (Beja), Moinho do Guadiana em Quintos (Beja), Museu Municipal de Arqueologia de Serpa, Castelo de Serpa, que incluiu a assistência ao evento de recriação histórica "A Raia: Festival do Território Hospitalário" e Villa Romana de S. Cucufate (Vidigueira).
Aproveitamos este balanço da campanha de 2020 para deixar diversos agradecimentos, começando pelos voluntários que integraram a equipa do Projecto Outeiro do Circo, por todo o empenho, esforço e envolvimento demonstrados: Nelson J. Almeida, Vítor Silva, Borja Seoane, Elena Duque, Catarina Santos, Ana Santos, Gustavo Silva, Rita Pereira, Maria Inês Santos, Pedro Caria, Hugo Martins, Bruno Gambinhas, Joana Marques, Luísa Silva, Arnaldo Teixeira e à directora científica Sofia Silva.
Outro agradecimento é dirigido aos diversos amigos que se juntaram a nós para nos surpreenderem com diversos momentos de convívio abrilhantados pelas suas guitarras, violinos, acordeões, gaitas de fole e vozes, como a Celina da Piedade, a Ana Santos, o Miguel Rego, o José Miguel Rego, o José Camacho, o António Camacho e o Hugo Bentes, para além de muitos outros que a nós se juntaram nestas celebrações de amizade.
Um agradecimento muito especial vai dirigido para o José Luís Mousinho e para a Sara Guerreiro, do café A Esquina do Mouzinho, pelo magnifico acolhimento, pela excelência da gastronomia com que nos brindaram e por toda a disponibilidade para nos ajudarem em muitos outros aspectos, e através deles estendemos o nosso agradecimento a toda a população de Mombeja por mais uma vez nos receberem e fazerem-nos sentir parte desta comunidade.
Por último fica o nosso agradecimento às entidades envolvidas, nomeadamente à Câmara Municipal de Beja, financiadora do projecto, à União de Freguesias de Santa Vitória e Mombeja e à empresa Palimpsesto, Estudo e Preservação do Património Cultural, Lda. e ao Grupo Desportivo e Cultural de Mombeja por todo o apoio logístico prestado e aos técnicos da Direcção Regional de Cultura do Alentejo, Samuel Melro, Miguel Rego e Susana Correia pelo acompanhamento técnico-científico que todos os anos fazem ao projecto.