Tipologias cerâmicas esmiúçam o Bronze Final: A cerâmica com decoração brunida no Sudoeste (SO) Peninsular
Ana Osório e Sara Almeida
(CEMUC/CEAUCP e Gabinete do Centro Histórico – Câmara Municipal de Coimbra)
As características e elementos de uma sociedade reflectem-se em todos os âmbitos da sua produção material. Essa cultura material resulta da objectivação do Homem através da acção (individual) que transforma a matéria prima inserido num contexto colectivo de necessidades, práticas e expressões (ser social). A interpretação dos objectos pauta-se pois por diversos aspectos visuais exteriores mas também se pode documentar em todas as fases do processo produtivo e distribuidor.
É inegável que a qualidade visual de uma imagem captura a atenção de modo ímpar, condicionando a percepção do arqueólogo na classificação dos seus objectos de estudo, tal como um dia terá exprimido a percepção, identidade e saber fazer daqueles que a produziram. Por isso , a partir daí pode discutir-se não só a dinâmica criadora das comunidades de práticas e das comunidades estéticas, mas também o papel da criatividade, da identidade e da passagem da tradição na produção artesanal.
Quando nos anos 60, Cunha Serrão, escavou um grupo de cerâmicas decoradas na Lapa do Fumo (Sesimbra) considerou que a decoração brunida daquele conjunto denotava alguma unidade. Comparou-as então a algumas outras descobertas em Espanha na região de Huelva e do Baixo Guadalquivir.
Circunscritos ao grupo da cerâmica decorada, as cerâmicas com decoração brunida equivalem a um conjunto minoritário, dentro do universo global da cultura cerâmica onde se inscrevem. Desde a identificação até hoje, a categoria que engloba as cerâmicas decoradas por brunimento foi aprofundada e melhor definida. Assim, conceptualmente definida pela especificidade técnica, aplicada na reprodução de uma linguagem estética própria, esta modalidade artefactual assumiu a conotação cronológica com o Final da Idade do Bronze; e uma distibuição geográfica, porque surge essencialmente no SO da Península Ibérica, com alguma extensão para NO e para a Meseta (correspondendo à àrea ocupada pelo chamado “Bronze do Sudoeste”).
O brunimento é um polimento intenso executado, quando a peça está na fase”meio seco”, com uma superfície dura e homogénea. A fricção produz um deslizamento e compactação das partículas argilosas criando uma superfície homogénea que reflecte a luz. Isto confere-lhe um aspecto brilhante e uma tonalidade mais intensa que, no caso dos motivos decorativos, contrasta com o restante aspecto das superfícies sem decoração.
De modo a enquadrar as cerâmicas com decoração brunida no contexto do Bronze Final Peninsular é pertinente abordar, de modo geral, os vários tipos decorativos cerâmicos que lhe surgem associados para delimitar os traços de contraste entre o SO e a restante Península.
Grupos como: cerâmicas pintadas a vermelho (de tipo Carambolo ou outros subtipos); cerâmicas excisas e de boquique (associadas na Meseta ao complexo Cogotas I), cerâmicas com almagra, cerâmicas incisas e cerâmicas incisas pós cozedura (de tipo Baiões/Santa Luzia) configuram a panóplia de estéticas e técnicas tradicionalmente relacionadas com o Bronze Final Peninsular. A sua definição, a delimitação de subgrupos e sobretudo as discussões sobre a cronologia e contextos de influência têm sido alvo de inúmeras revisões à medida que as sequências estratigráficas são reinterpretadas com base em novas escavações.
Na interpretação das cerâmicas de ornatos brunidos do SO, bem como dos tipos seus contemporâneos, deve ter em conta que elas representam ideias comuns manifestas em formas interrelacionais entre si mas que podem ter tido desenvolvimentos próprios, paralelos.
Apesar dos traços unificadores que congregam a ocorrência de Ornatos Brunidos no SO, cedo sobressaiu a individualização de duas expressões - diferenciadas ao nível dos suportes formais e esquemas decorativos de referência.
Estabelecida esta grande cisão em duas áreas nucleares, cuja inter-relação é para já conjectural, a análise mais atenta dos modelos manifestados por este tipo decorativo, ao nível dos contextos de proveniência (ocupacionais e funerários), em território nacional revela, ainda que de forma hesitante, a definição de padrões regionais, que matizam a aparente homogeneidade desta ainda consideravelmente mal conhecida realidade material.
Efectivamente, o contributo desta abordagem para a aproximação aos substratos culturais criadores, produtores e consumidores destes bens é de difícil aferição, em termos imediatos. Crê-se contudo, que uma percepção menos deformada deste fenómeno decorre forçosamente de um superior conhecimento, (sistemático, detalhado e cronologicamente enquadrado) desta cerâmica nas suas manifestações locais.
Bibliografia básica:
Almeida, S., Silva, R., e Osório, A. (no prelo), O povoado de S. Pedro de Arraiolos (Alentejo) – Novos dados para o seu conhecimento. Actas Siderum Ana II – El rio Guadiana en el Bronce Final. Mérida-Badajóz. Instituto de Arqueologia de Mérida.
Bubner, T. (1996), A cerâmica de ornatos brunidos em Portugal. In De Ulisses a Viriato. O primeiro milénio a.C. Lisboa: IPM: 66-72
Gómez Toscano, F. (1997), El final de la Edad del Bronce entre el Guadiana y el Guadalquivir: el território y su entorno. Huelva: Universidad de Huelva Publicaciones, Cap.5 "La Definición del Tiempo Y del Espacio": 231--254 .
Lopez Roa, M. (1977), La ceramica con decoración bruñida en el suroeste peninsular. Trabajos de Prehistoria, Vol. 34 , 341-370.
Serrão, E. (1970), As cerâmicas de «retícula bruñida» das estações arqueológicas espanholas e com «ornatos brunidos» da Lapa do Fumo". Actas das I Jornadas Arqueológicas (Lisboa, 1969), Vol 2. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses: 271-308.
Soares, A. M. (2005), Os povoados do Bronze Final do Sudoeste na margem esquerda portuguesa do Guadiana: novos dados sobre a cerâmica de ornatos brunidos. Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 8 (1): 111-145
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