quinta-feira, 7 de abril de 2011

II Jornadas de Pré e Proto-História da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra - 11

O Bronze do Sudoeste como entidade arqueográfica: a visibilidade dos dados empíricos e os resultados da pesquisa como produto social


Rui Parreira
(Direcção Regional de Cultura do Algarve)


Para o Sudoeste peninsular os dados empíricos referentes ao 2.º milénio anterior à era cristã têm sido abordados, desde o século XIX, sob distintos enquadramentos teóricos. Procura-se, por isso, reflectir como essas diferentes perspectivas têm condicionado interpretações discrepantes e abordagens diferenciadas, desde as centradas nos objectos e nos sítios, às que consideram os territórios e as paisagens culturais, ou às que, na materialidade do registo arqueológico, procuram discernir contradições, transformações e continuidades na sociedade da chamada Idade do Bronze.

1.
Ainda nos anos 1960, todas as evidências empíricas da Idade do Bronze do Sul peninsular eram identificadas com a «Cultura de El Argar», entidade definida a partir de um estabelecimento escavado por Siret nos finais do século XIX, na região de Almeria. Para além dos trabalhos realizados em El Argar, os Siret empreenderam trabalhos de terreno fundamentais em outros sítios, como Fuente Álamo, El Ofício ou Gatas, criando os esquemas básicos de periodização e a primeira definição arqueográfica de uma Idade do Bronze peninsular de feição mediterrânea.

Para o Sudoeste, é obrigatório mencionar os contributos de Estácio da Veiga no conhecimento empírico dos contextos funerários da Idade do Bronze. Os seus registos constituem muitas vezes a única base de argumentação, uma vez que os contextos que ele descreveu e ilustrou nas «Antiguidades Monumentaes do Algarve» desapareceram fisicamente ou deles apenas restam os artefactos. No texto das «Antiguidades…» ou na «Carta Arqueológica do Algarve / Tempos Pré-Históricos», Estácio da Veiga coligiu e sistematizou os registos anteriores, classificando os diversos contextos sepulcrais, motivou o interesse científico pelas necrópoles da Idade do Bronze no Sudoeste peninsular, e os seus resultados desencadearam uma nova fase da investigação.

Esta inicia-se logo a partir da publicação das «Antiguidades…», com os trabalhos de Santos Rocha, e prolonga-se durante os três primeiros quartéis do século XX, de acordo com uma perspectiva histórico culturalista. Com os contributos de José Formosinho, Veiga Ferreira e Abel Viana, entre outros, foi possível complementar e acumular mais dados. Mas os incipientes registos das intervenções de terreno e a incidência das investigações em áreas específicas e limitadas (Barros de Beja, Caldas de Monchique, p. ex.), revelam limitações arqueográficas idênticas às das necrópoles identificadas por Estácio da Veiga. Somente nos anos 1960 os ensaios de síntese de Fernando Nunes Ribeiro (com base na sua própria colecção particular) e de Miguel Tarradell permitiram começar a encarar o Sudoeste peninsular como uma área distinta dentro das «culturas» da Idade do Bronze peninsular, começando os autores a referenciar um «Bronze meridional português».

Em inícios de 1962, numa viagem científica feita com Vera Leisner pelo Sul de Portugal, Hermanfrid Schubart visitou as escavações de Abel Viana no Monte da Atalaia, no município de Ourique, no Portugal profundo, onde duas campanhas de terreno (1959 e 1960) haviam revelado importantes estruturas sepulcrais. Por aquela altura, Abel Viana dava já sinais de uma saúde precária e convidou Schubart para continuar as escavações por ele iniciadas. Assim se realizaram as campanhas de 1962 e 1963 na Atalaia. O próprio Schubart recordaria nostalgicamente essas campanhas e o excelente convívio com Abel Viana, que junto dos seus amigos classificava aquilo como um «trabalho gigantesco», inimaginável, onde se trabalhava inclusivamente aos domingos e, já próximo do final das campanhas, todos os dias e com horas extra! Devido à sua já precária saúde, Viana ia pouco à escavação mas informava-se de tudo e apreciava os trabalhos através dos planos desenhados no terreno. Fiel ao compromisso que assumira com o Instituto Arqueológico Alemão, encarregava-se das ferramentas, do alojamento (na casa de peregrinos da Senhora da Cola, onde se reuniam todos para o jantar) e da alimentação, preparada por uma cozinheira por ele contratada e onde o vinho nunca faltava. Diz Schubart que, apesar do trabalho duro durante todo o dia, «vivia-se bem naquele ermo». Apesar das distâncias, as sardinhas chegavam regularmente, levadas pelo peixeiro em caixas, conservadas em sal. Numa ocasião, Schubart levou alguns dos trabalhadores no seu jipe, até à Praia, a Vila Nova de Milfontes: nunca tinham visto mar! E foi agarrados, dando as mãos a Schubart, que entraram juntos na água!

Viana faleceu em 1964, não chegando a ver a publicação dos resultados, mas na sequência deles, em 1975, Schubart publicou numa obra de conjunto todas as informações disponíveis na bibliografia e nos principais museus e colecções. Uma rigorosa compilação e sistematização que lhe permitiu fundamentar aquilo que ele então definira já como «Cultura da Idade do Bronze do Sudoeste da Península Ibérica» (entidade arqueográfica que passou a ser abreviadamente designada como «Bronze do Sudoeste»). A síntese que elaborou, largamente assente nos achados funerários, tornou possível ensaiar uma sistematização regional e traçar um quadro evolutivo do Bronze inicial e médio no Sudoeste peninsular.

Atendendo a que as necrópoles não apresentam uma ocupação prolongada e contínua, que possibilitasse una periodização baseada em estratigrafia horizontal, o sistema de periodização proposto por Schubart, de dois períodos, foi baseado exclusivamente nas evidências sepulcrais, particularmente na diversidade da arquitectura tumular e na ocorrência nos cemitérios de materiais cerâmicos e metálicos, aferida por critérios simples de ausência/presença. Um período «de formação» inicial foi colocado em paralelo com o campaniforme tardio e com Argar A e, para ele, Schubart introduziu o conceito de «Horizonte de Ferradeira». O período I corresponderia ao Argárico B e o período II ao Bronze tardio do Sueste peninsular. Em 1976, Almagro chegou a propor a designação de período III para o Bronze final do Sudoeste mas a diversidade dos contextos e materiais levou a que esta nomenclatura não fosse adoptada. A definição de distintas formas de cerâmica e de artefactos metálicos e a sua diferenciada distribuição regional levou a que se propusessem matizes regionais no «Bronze do Sudoeste».

Este «Bronze do Sudoeste» foi também espacialmente delimitado: fazia extrema com o Norte alentejano e com a Extremadura espanhola, onde materiais idênticos surgiam em contextos de reuso de sepulcros megalíticos (Colada de Monte Nuevo e alguns sepulcros do Norte alentejano); para nascente não alcançava o Vale do Guadalquivir e a noroeste fazia extrema com o Vale do Tejo: em ambas as zonas, a forte presença do vaso campaniforme indiciava uma continuidade durante o Bronze Antigo (até ao século XVIII a.n.e.) e no Vale do Tejo a circulação de materiais idênticos aos do período II do Sudoeste permitia argumentar a ocorrência de um Bronze Tardio.

Neste esquema se baseou a «integração cronológica e cultural» de algumas evidências específicas: as peças de ourivesaria e as estelas decoradas. Se bem que os argumentos em que se apoia a contextualização das estelas não sejam totalmente convincentes, a sua ocorrência (por vezes vários exemplares) nos mesmos locais onde se regista a presença de sepulturas em cista ajustou-se à ideia de que as estelas assinalavam os locais de enterramento de personagens destacadas no plano social, constituindo a evidência empírica de uma «mudança nos meios e nas formas utilizadas na valorização / memorialização» desses indivíduos, sugerindo «a substituição do grande ‘tumulus’ pela estela» (M. V. Gomes) reproduzindo artefactos raros ou totalmente ausentes dos inventários sepulcrais, como «objectos ancoriformes», espadas e alabardas.

Foi a disponibilização dos dados sistematizados que permitiu uma nova fase na produção de conhecimento acerca do Bronze do Sudoeste. Autores como García Sanjuan , Barceló ou Susana Jorge puderam ensaiar novas reflexões sobre cronologia e evidência empírica de uma estruturação social complexa.

Contudo, o carreamento de dados e a sua sistematização enfrentava diversos problemas, que até aos recentes trabalhos realizados no Alentejo dificultaram a interpretação do processo histórico do Sudoeste peninsular entre o final do 3.º e os inícios do 1.º milénio a.n.e.

2.
Procuremos sumariar o conhecimento produzido sobre a Idade do Bronze antigo e médio do Sudoeste peninsular até aos inícios do século XXI:
• A evidência empírica aponta para comunidades que, em regra, tumularam em sepulcros individuais em fossa ou em cista, contendo um repertório cerâmico e metálico estandardizado.
• As listagens de sítios atribuídos ao «Bronze do Sudoeste» incluem sempre a simples ocorrência de cistas, mesmo que sem material diagnóstico; tal não é, contudo, um argumento cronológico evidente, pois reiteradas vezes demonstrou-se que também as comunidades da Idade do Ferro do Algarve e do Alentejo tumulavam em cistas rectangulares (Gregórios, Fonte Velha de Bensafrim, Corte Margaridinha, …).
• Os dados da sequência horizontal da Atalaia demonstram a «longa duração» de alguns dos «monumentos», embora não cubram toda a sequência do «Bronze do Sudoeste»; nenhuma outra necrópole apresenta uma utilização contínua ao longo de todo o 2.º milénio (ou, pelo menos, dos seus três primeiros quartéis); ainda assim, as necrópoles «em favo» apresentam uma sequência que autoriza uma periodização baseada na estratigrafia horizontal – mas constituem uma minoria.
• Tão pouco a orientação das sepulturas em cista é, necessariamente, um indicador cronológico, embora se tenha sugerido uma tendência para uma maior antiguidade das cistas dispostas norte / sul.
• O esquema cronológico do «Bronze do Sudoeste» baseia-se, assim, na diversidade da arquitectura tumular e, sobretudo, na desigualdade dos acervos sepulcrais, contrastada por critérios de ausência / presença, quer em contextos funerários fechados, quer entre as diferentes necrópoles.
• Esse esquema foi já por diversas vezes contestado, quer no que respeita aos matizes regionais, quer relativamente aos parâmetros cronométricos.
• Em contrapartida, não se conheciam praticamente os espaços habitacionais (no Algarve, Vinha do Casão – e agora também Vale de Boi e Catalão, no Alentejo, Pessegueiro, Quitéria e Alcaria constituíam excepções) – e esta «invisibilidade arqueológica» sugeria a presença de uns «casarios perecíveis» [a expressão foi usada por Arteaga para os povoados situados nas terras planas na área argárica clássica], de duração seguramente muito limitada, que a erosão dos solos, provocada pelos trabalhos agrícolas modernos, ou a prospecção mal direccionada para estas realidades, teria impedido de registar convenientemente; ou seja, o «Bronze do Sudoeste» (pelo menos até aos momentos terminais do período II) seria caracterizado por povoados que não possuíam de todo características de povoados estáveis, vastos e de longa duração, e que também não podiam ser confundidos com os estabelecimentos de altura característicos do Bronze final
• Quem aceitasse o esquema cronológico proposto por Schubart, procurando ajustar-lhe os, até então escassos, contextos do «Bronze do Sudoeste» datados por radiocarbono, obtinha os seguintes parâmetros cal BC para a evolução da Idade do Bronze no Sudoeste peninsular:
o Séc. XXII-XXI — Bronze inicial («Horizonte de Ferradeira»)
o Séc. XX-XVIII — Bronze médio antigo (período I do SW)
o Séc. XVII-XIII — Bronze médio recente (período II do SW)
Já o conhecimento da Idade do Bronze final do Sudoeste ao iniciar o século XXI parecia limitado pela escassa visibilidade das necrópoles, pelo insuficiente conhecimento dos espaços habitacionais, quer em altura, quer sem condições naturais de defesa, e pela incipiente caracterização dos possíveis santuários em cavidades naturais (como a Lapa do Fumo ou a gruta de Ibne Amar).

Ainda assim, parecia possível ensaiar uma visão de síntese do processo histórico entre os finais do 3.º e inícios do 1.º milénio a.n.e.

3.
Em meados do 3º Milénio a.n.e., o panorama civilizacional do arco atlântico-mediterrâneo do Sul da Península Ibérica caracteriza-se por um conjunto de centros de poder, que correspondem a aglomerados habitacionais que alcançam grandes dimensões. A necessidade de uma maior eficácia na exploração dos territórios implicou uma gestão dirigida e controlada a partir desses estabelecimentos e o aparecimento de personagens notáveis, constituindo uma elite que geria as comunidades e os territórios dependentes. Esses aglomerados habitacionais funcionaram não só como grandes armazéns de uma produção planificada, mas também como centros de redistribuição de produtos muito variados, obtidos por tributação dos produtores assentados em povoados, de menor dimensão e duração, localizados junto às áreas de produção do território controlado, o que permitiu a toda a comunidade aceder ao consumo de produtos diferentes dos que eram produzidos por cada um dos seus elementos e que significou um inegável progresso na economia. As reservas de produção arrecadadas nas grandes aldeias permitiram aos mais notáveis assegurar o intercâmbio de bens de consumo entre os centros de poder e as suas periferias. Mas permitiram igualmente sustentar uma vasta rede de intercâmbio supra-regional de produtos raros e de bens de prestígio, dando lugar a transacções entre as elites estabelecidas nos grandes centros de poder.

Evidências desses centros de poder, muitos deles de elevada visibilidade arqueológica graças à sua posição topográfica e longa duração, localizam-se na Baía de Lagos, na Estremadura portuguesa, nos vales do Guadalquivir, do Alto Sado e do Guadiana Médio, em Antequera ou na Andaluzia Oriental.

As elites apareciam perante todos como garantes da estabilidade comunitária, como intermediárias entre os homens e as divindades, ou assegurando a continuidade dos cultivos e o sustento das comunidades. O poder foi exercido com meios de coerção ideológica e política, na aparência aplicada pelo bem da comunidade, razão pela qual os mais notáveis viram o seu poder reforçado e o aparelho de estado se viu consolidado na sua forma prístina.

Suportadas na sujeição e exploração da força de trabalho mediante tributação, esse panorama consolidou-se cerca de 2800 cal BC, e evolucionou até cerca de 2200 cal BC com base num sistema de reprodução das desigualdades sociais mediante uma estrutura de dependência e hegemonia organizada sobre articulações centro/periferia.

4.
Cerca de 2200 a.n.e. parece evidente o colapso do sistema tributário sobre o qual assentava o panorama civilizacional do 3º milénio, emoldurado por contradições sociais e económicas. A situação caracteriza-se a partir de então por um particular desenvolvimento das periferias mineiras e das aristocracias que dominam esses territórios e controlam os recursos, estimulando neles a afirmação de lideranças personalizadas e uma maior segregação social, e conduzindo à desestruturação dos circuitos de obtenção e distribuição dos bens de consumo mais raros, p. ex. minério. Estas formações económico-sociais correspondem a entidades arqueográficas que se identificam com a Idade do Bronze.

O período seguinte (2200-2000 a.n.e.) corresponde a uma rede de povoamento mal conhecida, consequência de um processo de descentralização política. Esta época é marcada não apenas pela ocorrência de tumulações «tardias» em sepulcros monumentais calcolíticos mas igualmente por uma alteração visível nos rituais funerários, referenciada a um pequeno grupo de tumulações individualizadas, praticadas em antelas de planta ovalada delimitada por lajes imbricadas. Nessas tumulações estão presentes punhais de lingueta, pontas de cobre variantes do tipo Palmela e «braçais de arqueiro», artefactos que, em outras áreas, podem aparecer associados aos vasos campaniformes mais tardios. Estas ocorrências integram-se numa entidade arqueográfica a que Schubart chamou «Horizonte de Ferradeira».

No período seguinte, do Bronze Médio antigo (I do SW), de 2000-1700 a.n.e., acentua-se o processo de descentralização política e de dispersão do povoamento, a que corresponde um razoável número de cemitérios onde as inumações são praticadas em cistas de pedra ou em covas, tapadas com uma laje horizontal e dimensionadas à justa para a colocação de um cadáver em posição fetal, acompanhado ou não de espólio detectável pelo registo arqueológico. Essas sepulturas são por vezes envolvidas por uma estrutura tumular que lhes confere monumentalidade. São estruturas tumulares complexas, onde a um túmulo inicial foram sucessivamente justapostos outros, em regra de menor dimensão, dando ao conjunto, no final, um aspecto de um favo de túmulos adossados. Perto, mas separadas desses favos, aparecem por vezes sepulturas, com ou sem túmulo, interpretadas como «periféricas e mais tardias». Em outros casos, aliás mais frequentes, os cemitérios são polinucleados com agrupamentos sepulcrais definidos pela aproximação espacial das cistas, estando aparentemente ausente qualquer estrutura que lhes confira monumentalidade. A maior monumentalidade dos túmulos ou a posição destes na sequência construtiva dos monumentos em favo pode ser interpretada como indício da desigual posição social dos indivíduos inumados. Em diversos casos foi possível registar o modo de deposição dos indivíduos e os gestos funerários. Vasos de cerâmica e, raramente, artefactos de cobre, constituem o acervo funerário, cuja desigual distribuição nas sepulturas (de nenhum objecto a vários, ausência ou presença de armas metálicas) reflecte um tratamento diferenciado dos cadáveres e exprime a diferença dos estatutos relativos à idade, ao género ou à função numa hierarquia de poder.

Ao período mais recente do Bronze Médio (II do SW), de 1700-1200 a.n.e., são atribuídas inumações em cista por vezes localizadas em necrópoles que ofereceram igualmente materiais que autorizam datar o início do seu uso ainda no período I do SW. A par da menor dimensão das cistas, desconhecem-se neste período recintos, mamoas ou estruturas tumulares complexas que lhes confiram monumentalidade. É a desigual distribuição dos acervos nas sepulturas que constitui o principal indício da desigualdade social dos indivíduos inumados. Nesses inventários do período II estão presentes cerâmicas que imitam, na cor e na forma, recipientes metálicos: taças de carena marcada e ornatos no fundo interno, vasos com decoração de «gomos», recipientes com o colo estrangulado e corpo esférico com decoração nervurada, mamilos na metade superior do vaso ou sobre as carenas e bordos. Para além destes vasos cerâmicos, o acervo funerário inclui artefactos metálicos como punhais de rebites, machados planos e, mais raramente, alabardas. Na interpretação da estratificação social, esses dados devem, porém, ser avaliados com reservas, tendo em conta a crescente importância que, nas sociedades do 2º milénio, adquire a «ideologia da emulação». Alguns objectos deixam de ser exclusivos das elites guerreiras, já que ao porte de algumas armas, como os punhais, convertidos em meio de produção para a guerra e a rapina, é atribuído um significado social de pertença à comunidade.

É assim plausível que, nas necrópoles, a expressão do poder tenha sido alterada: na necrópole de Alfarrobeira (Silves), em posição periférica à estrutura de túmulos monumentalizados em favo do período I do SW, registou-se uma sepultura em cista sem tumulus à qual terá estado associada uma estela decorada de «estilo alentejano», do subtipo A. Embora os argumentos em que se apoia a contextualização da estela de Alfarrobeira não sejam totalmente convincentes, a ocorrência de um conjunto de estelas em Passadeiras, no mesmo sítio onde se registaram cistas desprovidas de túmulo, ajusta-se à ideia de que as estelas identificavam os locais de enterramento de determinados personagens, destacados na hierarquia social. Parece assim verificar-se uma «mudança nos meios e nas formas utilizadas na valorização-memorialização» desses indivíduos. Estas estelas reproduzem artefactos raros ou ausentes dos inventários sepulcrais: «objectos ancoriformes», espadas, alabardas.

5.
À descentralização política e dispersão do povoamento ocorrido durante o Bronze médio (períodos I e II do SW) sucede a partir de 1200 a.n.e., no final da Idade do Bronze, um processo de reconfiguração dos centros do poder político-administrativo. Estes correspondem a uma sociedade guerreira acentuadamente hierarquizada, baseada num controlo económico fortemente centralizado. Ocorre então a formação de povoados de altura, com aptidões naturais de ocupação e de defesa, lugares de residência das elites guerreiras que controlavam os territórios, reforçados pela construção de recintos amuralhados. É a partir deles que se controla e armazena a produção agropecuária e a metalurgia do bronze e se gere o sistema tributário que garante a coesão dessas entidades políticas. Apesar de um conhecimento insuficiente dos locais de habitat do Bronze final, parece verificar-se que estes centros políticos detinham hegemonia sobre territórios que incluíam sítios de produção e lugares de controlo das rotas de circulação dos bens materiais. Neste âmbito, os rituais funerários podem ter deixado de ser o meio privilegiado para as elites exibirem os sinais do seu poder, que se transferem agora para outros lugares sacralizados, como as cavidades naturais, e para cerimoniais de outro tipo, como a redistribuição de bens de consumo ou o uso ostentatório de objectos de excepção, nomeadamente daqueles que estão presentes na iconografia das estelas de «estilo estremenho», alguns de inspiração exótica.

A propósito de uma tumulação no tholos do Malhanito (Alcoutim), a única no Algarve atribuída ao final da Idade do Bronze, Cardoso (2004) recenseou as reutilizações funerárias de monumentos megalíticos ocorridas nos finais do 2º e no 1º milénio a.n.e no Sul de Portugal, constatando a coexistência das práticas da inumação e da incineração dos cadáveres. Alguns autores procuraram, aliás, associar a estela de Figueira, do «estilo estremenho», a uma sepultura de incineração. Porém, e ao contrário da vizinha área tartéssica da Andaluzia Ocidental, a escassez de necrópoles referenciadas para o Bronze final no Sudoeste não autorizava qualquer síntese fundamentada.

Bibliografia básica:

Barceló, J. (1991), El Bronce del Sudoeste y la cronologia de las estelas alentejanas, Arqueologia, 21, Porto: 15 - 24

Gomes, M. V., Gomes, R. V., Beirão, C. de M., Matos, J. L. de (1986) - A necrópole da Vinha do Casão (Vilamoura, Algarve), no contexto da Idade do Bronze do Sudoeste peninsular. Trabalhos de Arqueologia, 2, Lisboa: Instituto Português do Património Cultural.

Parreira, R. (1995), Aspectos da Idade do Bronze no Alentejo Interior, in A Idade do Bronze em Portugal - Discursos de Poder, Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa: 131 - 134.

Ribeiro, F. N. (1965), O Bronze Meridional Português. Beja. Ed. de Autor.

Schubart, H. (1965), Atalaia: uma necrópole da Idade do Bronze no Baixo Alentejo, Arquivo de Beja, Beja, vol. 22: 7 – 136

Schubart, H. (1971), Acerca de la cerâmica del Bronce Tardio en el Sul y Oeste peninsular, Trabajos de Prehistoria, Madrid, 28: 153 – 182

Schubart, H. (1972), Novos achados sepulcrais do Bronze do Sudoeste II, Actas das II Jornadas Arqueológicas, Vol. II, Lisboa: 65 – 86

Schubart, H. (1975a), Die Bronzezeit im Sudwesten der Iberichen Halbinsel, Madrider Forschungen, Berlin, 91

Schubart, H. (1975b), Die Kultur der Bronzezeit im Sudwesten der Iberichen Halbinsel, Madrider Forschungen, Berlin, Walter de Gruyter & Co.


Hermanfrid Schubart

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