O Povoamento Fortificado do Bronze Final no Sudoeste: caso de estudo: o sítio do Outeiro do Circo (Beja)
Miguel Serra
(Palimpsesto, Lda. e CEAUCP)
“Trabalham em vão os que constroem defesas que esperam ver manter-se em pé sozinhas”
(KEEGAN, John (2006), Uma História da Guerra, Edições tinta-da-china, Lisboa, p. 208)
As muralhas constituem, durante o Bronze Final no Sudoeste Peninsular, o elemento que definia a paisagem de populações e territórios, assumindo também um especial relevo na ideologia dessas comunidades. Trata-se de uma inversão do esforço colectivo, aplicado na arquitectura, em relação ao período precedente, pois durante o Bronze Pleno os elementos marcantes no território são constituídos pelas necrópoles de cistas, por vezes monumentalizadas através de recintos delimitadores e tumulus destacados.
Estes aspectos relacionam-se com a necessidade das comunidades garantirem a estabilidade e reclamarem a posse do território, realizando para o efeito grandes construções colectivas, que se traduzem no Bronze Final pela edificação de complexos sistemas defensivos (fossos, muralhas, bastiões, etc.), prefigurando aquilo que alguns autores designam como verdadeiros rostos pétreos das comunidades.
No Sudoeste peninsular são conhecidos diversos povoados fortificados, ainda que poucos tenham sido objecto de programas de investigação continuados, causando um deficit no conhecimento das suas dinâmicas e evolução. De facto, a abordagem centra-se muitas vezes no elemento mais visível destes povoados, como as muralhas e reforços defensivos, havendo escassas aportações sobre as suas vastas áreas interiores e sobre a sua relação com o povoamento envolvente.
Alguns dos casos abordados nesta apresentação (Outeiro do Circo, Passo Alto, Castro dos Ratinhos, Corôa do Frade e Castillo de Alange), revelam níveis de investigação muito distintos, mas permitem-nos traçar um panorama onde se pretende analisar algumas das soluções adoptadas, reveladoras do conhecimento técnico e do pragmatismo destas populações. Noutra esfera de análise, pretender-se-á compreender a emergência destes povoados através da sua inserção no espaço geográfico relacionando-os com uma vasto conjunto de evidências que nos últimos anos têm surgido, em particular no Baixo Alentejo, como os povoados abertos de planície.
Dentro deste conjunto, o Outeiro do Circo surge como um sítio com características muito distintas, desde logo pela sua inusual dimensão (cerca de 17 ha), mas também por alguns aspectos práticos utilizados na construção das suas muralhas, que revelam uma grande capacidade de adaptação aos condicionalismos locais, articulando arquitecturas de pedra e de terra numa simbiose feliz.
A região onde se situa é desde há muito reconhecida pela existência de diversos elementos que contribuíram para a definição da chamada “Cultura do Bronze do Sudoeste”, como as necrópoles de cistas do Bronze Pleno das regiões de Santa Vitória, Ervidel ou Odivelas. Nesta região assiste-se actualmente ao aparecimento de um significativo conjunto de novos sítios, sobretudo povoados abertos de planície, que permitem a criação de um cenário evolutivo ao longo de toda a Idade do Bronze revelador das estratégias de povoamento.
A relação cronológica e espacial entre o Outeiro do Circo e estes sítios será um objectivo a seguir na investigação futura da região de modo a completar o quadro da reconstituição de um território profundamente alterado pela presença humana, constituindo-se como uma autêntica paisagem cultural.
Bibliografia básica:
Berrocal-Rangel, L. e Silva, A. C., (2007), O Castro dos Ratinhos (Moura, Portugal), Um complexo defensivo no Bronze Final do Sudoeste Peninsular, in Berrocal-Rangel, L. e Moret, P. (eds), Paisajes Fortificados de la Edad de Hierro. Las murallas protohistóricas de la Meseta y la vertiente atlántica en su contexto europeo, Real Academia de la Casa de Velázquez, Madrid: 169-190.
Parreira, R., (1977), O povoado da Idade do Bronze do Outeiro do Circo (Beringel/Beja), in Arquivo de Beja, vols. 28-32, Beja: 31-45.
Parreira, R. (1998), As arquitecturas como factor de construção da paisagem do Alentejo Interior, in Existe uma Idade do Bronze Atlântico, Trabalhos de Arqueologia, 10, Instituto Português de Arqueologia, Lisboa: 267-273.
Serra, M., Porfírio, E. e Ortiz, R., (2008) O Bronze Final no Sul de Portugal – Um ponto de partida para o estudo do povoado do Outeiro do Circo, in Actas do 3º Encontro de Arqueologia do Sudoeste Peninsular, Aljustrel, 26 a 28 de Outubro de 2006, Vipasca, 2, 2ª série, Aljustrel: 163-170.
Serra, M. e Porfírio, E. (no prelo), O povoado do Bronze Final do Outeiro do Circo (Mombeja, Beja). Balanço de 2 anos de investigação, IIº Encontro de Jovens Investigadores, Universidade do Porto, CEAUCP/CAM, 9, 10 de Abril de 2010.
Soares, A. M. (2003), Passo Alto: uma fortificação única do Bronze Final do Sudoeste, in Revista Portuguesa de Arqueologia, Lisboa, vol. 6.2: 293-312.
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