O Projeto Outeiro do Circo colaborou com o Mestrado da Arqueologia e Território da Universidade de Coimbra através da realização de uma conferência integrada no programa de estudo do seminário de Espaços e Sociedades leccionado pela Professora Raquel Vilaça.
Esta apresentação, sob o título "Paisagens fortificadas: muralhas do Bronze Final no Sudoeste Peninsular", abordou diversos casos de estudo, com especial ênfase para o povoado do Outeiro do Circo.
A conferência, a cargo de Miguel Serra, iniciou-se com uma breve passagem sobre as muralhas da actualidade, exemplificadas nos casos do Muro do Sahara Ocidental, do Muro México/Estados Unidos ou do Muro da Cisjordânia, demonstrando que este tipo de estruturas continuam a fazer parte das sociedades modernas.
Apresentaram-se de modo sintético algumas categorias de muralhas com exemplos de vários períodos, mostrando desde muralhas destinadas a proteger povoados, mas que podem transformar-se em símbolos de poder das comunidades que as construiram (Jericó), fortificações de cariz essencialmente militar (Krak des Chevaliers), vastas muralhas de fronteira (Muralha de Adriano, Muralha da China), redes de fortificações concebidas para um momento concreto (Linhas de Torres) ou grandes complexos defensivos estáticos (Linha Maginot, Muralha do Atlântico).
Pretendia-se com este panorama iniciar uma reflexão sobre o significado e sobre o impacto na memória das comunidades que este tipo de estruturas provocaram e transpor estas noções para os casos de estudo do Bronze Final em seguida abordados.
Pretendia-se assim que se discutisse a forma como as muralhas da Idade do Bronze poderiam ter sido percepcionadas pelas comunidades que as construiram e vivenciaram, mas também pelas comunidades que lhes sucederam.
Em seguida foram apresentadas as principais características dos quatro casos a analisar.
Em primeiro lugar a Coroa do Frade (Évora), com a apresentação da planta do povoado que revela algumas características particulares, como a presença de uma área melhor defendida a que poderá corresponder uma acrópole. Também se destacou um possível bastião de entrada, único no panorama do Sudoeste Peninsular para esta época. Foi ainda dado algum relevo à possível relação entre este povoado e o Castelo do Giraldo, que poderia integrar a mesma rede de povoamento, talvez com funções muito concretas como uma atalaia.
Em seguida foi abordado o caso do Passo Alto (Serpa), que constituí o povoado fortificado do Sul de Portugal que há mais anos é sistematicamente estudado. Destacaram-se algumas questões em torno da sua muralha vitrificada, do campo de cavalos de frisa, do fosso, do tipo de implantação do sítio e da sua cronologia, uma vez que se trata da muralha do Bronze Final melhor datada nesta vasta região.
O caso seguinte, o Castro dos Ratinhos (Moura), mereceu uma análise um pouco mais pormenorizada, por se tratar de um sítio exaustivamente escavado e integralmente publicado.
Os aspectos principais centraram-se na relação do povoado com o controle que exercia sobre uma zona de passagem como o rio Guadiana, sobre a complexidade de todo o sistema defensivo, que integra várias linhas de muralhas, um vasto fosso perimetral, ou uma clara acrópole de características únicas. Em detalhe foram também analisados alguns pormenores relacionados com as técnicas construtivas da impressionante muralha.
O último sítio analisado correspondeu ao Outeiro do Circo (Beja), que aqui surgia como um exemplo algo distinto dos anteriores, desde logo pela sua situação geográfica e topográfica (localiza-se no centro de uma vasta planície com solos extremamente férteis e ocupando uma longa, mas suave elevação) e pela sua inusual dimensão (17 hectares), o que permite inseri-lo numa categoria própria de mega aglomerados populacionais fortificados.
À semelhança da Coroa do Frade, também para o Outeiro do Circo se estabeleceu a possibilidade de ter relação com um pequeno sítio de altura que poderá ter servido como atalaia, o Cabeço da Serpe.
A análise do seu sistema defensivo baseou-se num trabalho interpretativo da fotografia aérea, permitindo a observação de dois possíveis momentos construtivos ou de duas concepções distintas da mesma época, correspondentes, por um lado à dupla linha de muralha do sector Sul/Sudeste e por outro ao vasto talude linear do sector Norte/Noroeste.
A existência de uma entrada a Sul, ladeada por dois bastiões defensivos de grandes dimensões foi outro dos aspectos discutidos.
Por fim, descreveu-se em pormenor o troço de muralha sujeito a escavações arqueológicas recentes, focando-se a análise no conceito de "muralha compósita", que integraria um conjunto de elementos defensivos em articulação entre si (muro superior, rampas e plataformas de barro e terra, muro de contenção inferior).
Em jeito de conclusão apelou-se novamente à tentativa de compreender como é que os indivíduos do Bronze Final olhavam para estas estruturas que marcavam de modo indelével a paisagem onde se moviam e de que forma estas terão moldado as próprias mentalidades.
Seguiu-se um debate longo e animado que em nossa opinião justifica a necessidade de novas leituras para este tema e de uma abordagem conjunta mais rigorosa, que no devido tempo esperamos apresentar sobre a forma de um artigo científico.