terça-feira, 25 de janeiro de 2011

V Encontro de Arqueologia do Sudoeste Peninsular

O Bronze Final nos “Barros de Beja”. Novas perspectivas de investigação
Miguel Serra e Eduardo Porfírio (Palimpsesto, Lda. / CEAUCP-CAM)
(Texto da comunicação. A versão final do artigo para as actas do encontro será apresentada oportunamente)

Introdução

A presente comunicação tem como objectivo fundamental proceder a uma tentativa de análise da evolução dos sistemas de povoamento na zona Ocidental dos “Barros Negros” de Beja entre o II e o I milénio a.C.

Este trabalho baseia-se na conjugação dos resultados obtidos no projecto “A transição do Bronze Final/Ferro Inicial no Sul de Portugal – o caso do Outeiro do Circo” com a integração das grandes novidades surgidas nos últimos 5, 6 anos no território envolvente do povoado fortificado do Outeiro do Circo (Mombeja/Beringel, Beja), através da arqueologia comercial e que permitem documentar uma intensa ocupação ao longo da Idade do Bronze, materializada sobretudo em dezenas de povoados abertos de planície até então desconhecidos, mas já prenunciados pela existência de diversas necrópoles de cistas do Bronze Médio.

Localização

O povoado fortificado do Bronze Final do Outeiro do Circo localiza-se no Baixo Alentejo, pertencendo administrativamente ao distrito e concelho de Beja, repartindo-se pelas freguesias de Mombeja e Beringel (Fig. 1).



Fig. 1




Situa-se em pleno coração da vasta peneplanície do Baixo Alentejo, encontrando-se rodeado pelos relevos suaves e ondulantes que a caracterizam.

As baixas altitudes dominantes na paisagem em seu redor, fazem com que possua um amplo domínio visual, apesar do seu ponto mais elevado se encontrar a apenas 276 m acima do nível médio do mar (Fig. 2).



Fig. 2



Situa-se na orla Ocidental do sistema aquífero dos Gabros de Beja (Fig. 3), rodeado por solos de elevada capacidade agrícola conhecidos como “Barros Negros” (Cardoso, 1965; Duque, 2005: 66), que terão constituído um importante factor de fixação das comunidades humanas ao longo de vários períodos históricos.



Fig. 3




Antecedentes

O Outeiro do Circo é mencionado pela primeira vez nas Memórias Paroquiais de 1758 (Azevedo, 1896: 307, 1897: 220, 1900: 299), mas o verdadeiro interesse por este importante sítio arqueológico só surge na década de 70 do século passado com os trabalhos de Rui Parreira, que entre outros destaques nos dá a conhecer uma primeira planta do recinto fortificado (Fig. 4) e um vasto conjunto de materiais, integrando-o no Bronze Final (Parreira. 1977).




Fig. 4




No entanto, somente nos inícios do século XX virá a ser alvo de um projecto de investigação, no âmbito de um PNTA, especificamente dirigido para o seu estudo.

Os trabalhos deste projecto incidiram sobretudo na realização de prospecções de superfície que permitiram documentar novos elementos, como a existência de rochas gravadas com “covinhas” no interior do povoado e possibilitaram uma caracterização exaustiva dos taludes da muralha. Também se procedeu à recolha de diversos materiais de superfície, maioritariamente cerâmicos, que se enquadram genericamente dentro das categorias anteriormente publicadas por Rui Parreira (Serra et al. 2008).

Nesta primeira fase da investigação do sítio assumiram especial importância os trabalhos de fotointerpretação, que permitiram a correcção de algumas informações anteriores e acrescentaram novas e importantes contribuições (Serra e Porfírio, no prelo).

Merece especial destaque a revisão da área ocupada pelo povoado, cifrada actualmente em 17 ha, corrigindo as referências anteriores que contabilizavam cerca de 8 ha (Fig. 5).



Fig. 5




Foi possível observar também que a linha de dupla muralha, já identificada por Rui Parreira, se prolongava por toda a face Oriental do povoado. Foram ainda integradas na planta do povoado diversos taludes de grandes dimensões, exteriores à plataforma Norte, mas que no estado actual da investigação carecem de uma interpretação fundamentada.

O resultado mais relevante destes trabalhos foi sem dúvida, a detecção daquela que poderá ser a entrada principal do povoado, situada na zona Sul e que apenas é visível em fotografia aérea, uma vez que esta área sofreu uma grande destruição provocada por trabalhos intensos de desprega do terreno, que levaram ao desaparecimento total dos taludes.

A fotografia aérea revela o prolongamento, nesta zona, da dupla linha de muralha, que se encontra interrompida em determinado ponto, configurando uma entrada ladeada por dois bastiões semicirculares (Figs. 6 e 7).


Fig. 6



Fig. 7




Foi possível localizar as pedras daqui retiradas, através da recolha de informações orais junto do proprietário do terreno e de diversos trabalhadores agrícolas, permitindo verificar que os grandes amontoados localizados no cimo do povoado serão daqui provenientes. Observam-se, neste local, blocos pétreos de dimensões muito superiores, quando comparados com a realidade documentada nos restantes taludes, o que nos permite colocar a hipótese desta entrada ter possuído um aspecto monumental.

O Projecto

O Projecto de investigação encontra-se em curso desde 2008 e pretende conhecer de modo mais efectivo as fases de ocupação do Outeiro do Circo e proceder à caracterização dos seus elementos (Fig. 8).


Fig. 8



A intervenção no terreno incide principalmente sobre o elemento estrutural mais relevante em toda a área ocupada pelo povoado, ou seja, o talude da muralha. Para cumprir este objectivo foi escolhido um sector do talude aparentemente melhor conservado, preservando cerca de 5 m de altura, onde se implantou uma sondagem com 48 m² (Fig. 9).


Fig. 9




Na última campanha, realizada no Verão de 2010, foi possível iniciar uma outra sondagem na vertente oposta e localizada no interior do recinto, para avaliar o estado de preservação de eventuais estruturas de habitação, bem como observar a componente estratigráfica numa zona composta por terrenos algo diferentes dos observados no restante povoado e que são compostos essencialmente por uma vasta mancha de terras negras onde se regista uma elevada frequência de cerâmica de maior qualidade com superfícies brunidas e formas variadas.

Paralelamente continuam a ser realizadas prospecções por toda a área interior do povoado, uma vez que esta é anualmente alvo de trabalhos agrícolas, o que provoca o aparecimento de novos achados, como é exemplo a descoberta de um novo afloramento gravado com “covinhas” durante a última campanha (Fig. 10).


Fig. 10




A escavação arqueológica em curso no talude do sector Ocidental permitiu revelar a existência de um complexo sistema defensivo composto por três elementos principais: um muro superior, uma rampa de barro cozido e um muro de contenção (Fig. 11).


Fig. 11



Uma vez que os trabalhos de escavação nesta sondagem ainda não estão concluídos, só nos é possível apresentar uma descrição e análise sumária destes elementos, não sendo ainda evidente o modo como se articulam entre si.

Assim, o muro superior é composto por dois alinhamentos paralelos de blocos gabro dioríticos de média dimensão, sendo o espaço interior entre ambos, preenchido com pedra miúda. (Fig. 12).



Fig. 12




A rampa ocupa todo o espaço entre o muro superior e o muro de contenção num comprimento de cerca de 8 m e em toda a largura da sondagem (4 m), acompanhando a pendente natural do terreno. É composta por uma massa compacta de blocos de barro cozido e terras argilosas carbonizadas. A sua função poderá ter-se prendido com a necessidade de consolidar as terras da encosta devido à sua elevada plasticidade, conferindo simultaneamente robustez à base do próprio muro superior (Fig. 13).


Fig. 13




Por fim, a estrutura interpretada como muro de contenção a esta rampa, localiza-se na zona baixa do talude e é composta por um alinhamento irregular de pedras de várias dimensões onde a rampa de barro cozido encosta.

Um factor a ter em conta na continuidade da escavação desta estrutura, prende-se com o facto de esta ter sido construída sobre um fosso pré existente, não sendo ainda possível confirmar se este poderia corresponder a um primitivo sistema defensivo ou canal de condução de águas que teria sido desactivado aquando do empreendimento mais complexo que lhe sucedeu, ou se por outro lado o fosso poderá fazer parte da estratégia construtiva deste sistema defensivo, de modo a servir de alicerce ao muro de contenção (Fig. 14).



Fig. 14




Em relação aos materiais exumados, cabe-nos fazer apenas uma síntese muito sumária, tendo em conta que o estudo da colecção ainda se encontra numa fase inicial.

Dentro dos materiais mais característicos do Bronze Final apresentamos apenas alguns fragmentos de cerâmica decorada, que revela uma presença muito residual, mas que é composta por tipos decorativos muito variados, desde as cerâmicas de ornatos brunidos (Figs. 15 e 16), passando pelo único fragmento com aplicação prensada de pastas brancas (Fig. 17) e pelas decorações incisas com motivos diversos (Fig. 18).


Fig. 15


Fig. 16


Fig. 17



Fig. 18




Para além do espólio cerâmico há que destacar a presença de elementos líticos, quer polidos, como os vários fragmentos de dormentes e moventes de mós manuais, quer lascados, como os elementos de foice denticulados (Fig. 19) e as várias lascas recolhidas.


Fig. 19




O espólio metálico é o menos representado em toda a colecção, sendo formado por um pequeno conjunto de três peças, que podemos considerar como um brinco ou pendente, uma argola e um anel (Fig. 20). Para além destes, surgiram também alguns vestígios metalúrgicos, que permitem documentar a existência de uma metalurgia doméstica de pequena escala no interior da área do povoado.


Fig. 20


O Território

Para compreender a evolução das formas de povoamento ao longo da Idade do Bronze na região onde se insere o Outeiro do Circo, delimitou-se uma área de estudo com base em critérios geográficos e arqueológicos.

Definiu-se assim uma vasta região de características muito homogéneas, delineada pelas bacias hidrográficas dos cursos de água mais importantes aí existentes. A Norte a Ribeira da Figueira e a Sul a Ribeira do Roxo (Fig. 21).


Fig. 21




A área demarcada configura uma certa centralidade ao Outeiro do Circo e integra também diversas unidades culturais como o núcleo de necrópoles de cistas do Bronze Médio a Norte (Alcaria, Zambujeira 1, Zambujeira 4, Trigaches e Base Aérea de Beja), distribuídas ao longo das linhas de água subsidiárias da Ribeira da Figueira (Vasconcellos, 1906; Viana, 1945; Ribeiro, 1965; Schubart, 1972; Parreira e Soares, 1980 e Parreira, 1982) e um outro importante núcleo de necrópoles de cistas a Sul (Corte da Azenha, Mós, Ulmo, Cata, Monte do Outeiro, Lobeira de Baixo, Medarra ou Ervidel 1, Herdade do Pomar ou Ervidel 2, Ervidel 3 e Monte dos Carriços) ao longo das Ribeiras do Roxo e da Chaminé, nas regiões de Santa Vitória e Ervidel (Viana, 1947; Viana 1954, Viana e Ribeiro, 1956, Ribeiro, 1959; Ribeiro, 1965; Paço e al., 1965; Ribeiro, 1966/7; Schubart, 1972; Gomes e Monteiro, 1977; Gomes e Monteiro 1977/8; Parreira e Soares, 1980, Arnaud, 1992).

Para além destes elementos já conhecidos da bibliografia arqueológica, existe actualmente uma importante aportação de novos dados no território procedentes na sua grande maioria de intervenções de arqueologia comercial no âmbito de grandes projectos públicos como o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva.

Assim, surgem-nos dezenas de novos sítios maioritariamente concentrados numa vasta área a Norte e Este do Outeiro do Circo, compostos sobretudo por povoados de fossas, abertos e localizados na planície, com ocupações de diversos períodos, mas com destaque para as fases que se integram no Bronze Médio, que constituem uma larga percentagem, e no Bronze Final, que pecam por alguma raridade (Antunes et al., no prelo).

Deste conjunto de novos sítios merece especial interesse, no âmbito da nossa análise, o sítio de Arroteia 6, intervencionado pela empresa Palimpsesto, Lda., no âmbito de um projecto de abastecimento de água da responsabilidade da Empresa Municipal de Água e Saneamento de Beja (Porfírio e Serra, no prelo).

Neste local foi detectada uma estrutura negativa e outros vestígios menos esclarecedores contendo materiais genericamente enquadráveis no Bronze Final.

A importância de Arroteia 6, para a presente análise, advém do facto de ser até ao momento o povoado aberto localizado a menor distância do Outeiro do Circo (Fig. 22) e de ser também o que apresenta maior proximidade cronológica.



Fig. 22




Este sítio, apesar da escassez da área intervencionada, afigura-se-nos como mais um exemplar a integrar no vasto conjunto dos povoados de planície da Idade do Bronze.
Implanta-se sobre uma pequena plataforma amesetada (cerca de 4 ha) de baixa altitude, rodeada por linhas de água secundárias e sobre férteis terrenos agrícolas (Fig. 23). Encontra-se completamente exposto, sem aparentes necessidades defensivas e não se observam à superfície quaisquer elementos que permitam a sua identificação, que apenas foi possível após a detecção, em fase de obra, de uma fossa escavada no caliço brando da região, colmatada com sedimentos de coloração escura.


Fig. 23




Após uma análise morfológica sumária da envolvente, é possível supor que a sua ocupação se estenda a toda a plataforma, tendo sido intervencionada somente uma área limítrofe do sítio (Fig. 24).



Fig. 24




A única evidência arqueológica segura era constituída por uma estrutura negativa, que terá tido uma utilização primária enquanto silo, mas só se torna evidente a sua utilização final após amortização como lixeira ou fossa (Fig. 25).



Fig. 25




Nos sedimentos escavados foi possível exumar diversos materiais cerâmicos genericamente enquadráveis no Bronze Final, como por exemplo um conjunto de três taças de carena alta, com paralelos noutros sítios semelhantes onde inclusivamente foi possível apurar datações de modo mais rigoroso (Santos et al., 2008) (Fig. 26).



Fig. 26




Pelas suas características e cronologia, Arroteia 6 surge-nos como uma forte hipótese de integrar a rede de povoamento do território fomentada a partir do Outeiro do Circo, com o qual manteria uma relação seguramente próxima.

Novas perspectivas de investigação

O conhecimento generalizado de um vasto território envolvente ao Outeiro do Circo gera diversas expectativas relativas à investigação da Idade do Bronze regional, nomeadamente no que diz respeito à evolução das formas de povoamento ao longo do II e I milénios a. C.

Numa óptica de análise futura, potenciada pela divulgação dos contextos recentemente intervencionados e pela forte possibilidade da identificação de novos sítios que possam integrar esta pesquisa, detectamos três momentos chave para a compreensão deste fenómeno, traçando paralelismos com outras regiões.

Um primeiro momento é constituído pelo Bronze Médio, período para o qual já possuíamos alguns dados relevantes neste território como se comprova pela presença de dois importantes núcleos de necrópoles de cistas, aos quais há que juntar agora as várias dezenas de povoados abertos de fossas recentemente detectados.

A intensidade de ocupação deste período parece demonstrar o início de uma forte estruturação do território sendo necessário compreender se o Outeiro do Circo começa a assumir um papel de relevo neste processo ao longo do Bronze Médio (Serra e Porfírio, no prelo), materializando-se um povoamento de altura que dá início a um sistema de lugares com diferenciação e hierarquia de funções (Parreira, 1998: 270).

Apesar da escassez de paralelos para este fenómeno no actual território do Sudoeste português, podemos observar os dados proporcionados por outros locais próximos, como na região da Extremadura espanhola onde o Castillo de El Alange nos surge como um bom exemplo da existência de povoamento de altura no Bronze Médio, ao mesmo tempo que possui evidentes relações com ocupações coevas nas planícies envolventes, como atestado na presença da necrópole de Las Minitas (Pavón Soldevila, 1998; 2008).
Naturalmente apenas a realização de escavações em área no Outeiro do Circo poderá ajudar a confirmar esta hipótese.

Um segundo momento corresponde ao Bronze Final e à comprovação de um eventual fenómeno de consolidação do território justificado pela emergência do povoado do Outeiro do Circo.

Um dos grandes óbices a esta hipótese prende-se com o facto de até ao momento existirem escassos dados de ocupação de planície claramente contemporâneas do Outeiro do Circo, com raras excepções, como o já mencionado sítio de Arroteia 6 e outros povoados abertos nas regiões de Beringel e Trigaches onde coexistem com ocupações do Bronze Médio (Antunes et al., no prelo).

Poderemos estar perante situações distintas, existindo por um lado uma concentração de povoamento centrada no Outeiro do Circo, o que ajudaria a perceber a sua vasta dimensão, em detrimento da ocupação de planície que constituiu o elemento estrutural do território no período anterior, ou por outro lado, podemos estar a assistir a uma ocupação dos mesmos espaços (em continuidade ou com reocupações após breves hiatos) através das mesmas estratégias, o que poderá tornar difícil o reconhecimento da cultura material, onde rareiam os tipos distintivos de ambos os períodos.

Torna-se necessário o estudo exaustivo dos contextos documentados nas ocupações de planície, de modo a distinguir de forma mais clara as diversas ocupações existentes nestes povoados e estabelecer as eventuais relações de contemporaneidade que possam existir com as fases de ocupação documentadas no Outeiro do Circo.

Noutras regiões próximas parece haver relações evidentes entre um povoamento fortificado em altura e as ocupações de planície, como apontado para as zonas de Évora/Reguengos e Serpa (Antunes et al., no prelo), o que nos faz acreditar numa situação semelhante na área de estudo considerada.

Por fim, um último momento, equivalente ao Bronze Final/Ferro Inicial, parece indicar o fim deste sistema de povoamento, marcando o seu colapso.

Não existem dados seguros até ao momento que comprovem uma ocupação da Idade do Ferro no Outeiro do Circo, mas podemos comparar a situação de outros povoados fortificados contemporâneos, como o Passo Alto (Serpa) e o Castro de Ratinhos (Moura), onde se documentam fases finais de ocupação centradas entre os séculos VII e VI a. C. (Soares et al., 2009; Berrocal-Rangel e Silva, 2007).

Um dado inegável é a ocupação de planície deste período comprovada na recente descoberta de diversas necrópoles a cerca de 3/4 km do Outeiro do Circo que apresentam características relacionadas com uma nova realidade (Santos et al., 2009). Resta saber se estas ainda correspondem aos últimos momentos de ocupação no Outeiro do Circo, ou se por outro lado anunciam o início de um novo paradigma para o povoamento da região.

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Agradecimentos

José Luís Madeira pelo tratamento do mapa da figura 21.

Valdemar Canhão pela informação referente aos sítios da Idade do Bronze intervencionados no quadro de actuação da EDIA.

Lídia Baptista pela informação referente aos sítios de fossas intervencionados pela Arqueologia e Património, Lda. nas regiões de Beringel e Trigaches no quadro do EFMA.

Ana Osório pela informação referente aos materiais cerâmicos, às fotografias das figuras 15 e 16 e à interpretação da funcionalidade da estrutura em barro cozido.

domingo, 9 de janeiro de 2011

V Congresso de Arqueologia do Sudoeste

Malhada de Biterres 2 - Um forno da Idade do Ferro nos alvores da romanização (Mombeja - Beja)
Marco Costa, Eduardo Porfírio, Miguel Serra (Palimpsesto Lda.)
Texto da Comunicação. A versão final do artigo para as actas do Encontro será apresentada oportunamente.
Resumo:
Nesta comunicação apresentamos os primeiros resultados do sítio Malhada de Biterres 2, identificado no decorrer da intervenção arqueológica de emergência realizada no âmbito da minimização de impactes patrimoniais decorrentes da execução da Conduta de Santa Vitória, Mombeja, Beringel para a empresa EMAS, Empresa Municipal de Águas e Saneamento de Beja.
No decorrer da intervenção foram identificados vestígios materiais pertencentes a um forno que, tendo em conta os aspectos morfológicos e paralelos arqueológicos conhecidos, estaria relacionado com a produção cerâmica.
Introdução:
Localizada em plena peneplanície alentejana numa parcela caracterizada por pouca inclinação, sobranceira a uma pequena linha de água denominada “Ribeira Do Galego” cerca de 740m a sul de Beringel, a estação arqueológica Malhada de Biterres 2 foi primeiramente identificada no decorrer dos trabalhos de prospecção relativos à elaboração da Carta de Património Arquitectónico e Arqueológico de Beja1, tendo sido recolhidos à superfície do terreno fragmentos de imbrex, latere, cerâmica comum, taças, tigelas, panelas, ânfora, dolia e pesos de tear, os quais indiciavam a presença de um casal romano.
A intervenção arqueológica, realizada ao longo de 19 dias úteis entre os meses de Novembro e Dezembro de 2009, permitiu a recuperação de diversos materiais arqueológicos, quer de cronologia sidérica quer de cronologia romana republicana e, simultaneamente, pôr a descoberto uma estrutura arqueológica da qual ainda se conhecem poucos exemplares, em território nacional, assumindo por isso um papel de marcada importância para o estudo das actividades produtivas de olaria durante a época sidérica, permitindo também remontar a ocupação do local, pelo menos, até à II Idade do Ferro. Por outro lado, verifica-se a continuidade temporal de uma actividade produtiva que se perpetuou até aos nossos dias na vizinha aldeia de Beringel.
A intervenção: estruturas e material arqueológico associado:
Uma análise inicial permitia diferenciar duas estruturas arqueológicas distintas, uma estrutura negativa de consideráveis dimensões escavada no substrato geológico e uma outra edificada no interior da primeira. Assim, e tendo em conta a realidade (fraccionada pelos meios mecânicos) visível no terreno2, foi necessário que a intervenção fosse realizada em duas fases, uma na secção Oeste da sondagem, outra na secção Este (Fig. 2).
Fig. 2

O depósito superficial (UE100), cujo conteúdo arqueológico se traduz numa série heterogénea de materiais cerâmicos, aos quais uma análise morfo-tecnológica permitiu atribuir cronologicamente à II Idade do Ferro e ao período Romano Republicano, corresponde à camada de solo directamente afecta à utilização agrícola do terreno, depreendendo-se por esse motivo que os materiais se encontram em posição secundária.
Após a remoção desta unidade superficial foi, desde logo, possível identificar os contornos da estrutura (UE 110) que assumia a configuração de um forno. O conjunto estratigráfico que preenchia o interior da estrutura forneceu elementos materiais cronologicamente consistentes quer com a II Idade do Ferro, quer com o período Romano Republicano, contudo, não possuímos dados que nos permitam associar a produção dos materiais à estrutura, pois não existe qualquer peça completa, podendo a posição dos materiais ocorrer em resultado de processos tafonómicos.
A estrutura3 (UE 110) assume uma configuração circular de dimensões reduzidas (cerca de 2x2 m) com um pilar central de forma oval, integrável segundo a classificação realizada por J. Coll Conesa, (2008) na tipologia B-6 (Fig. 3 e 4). Terá sido edificada no local através de um processo compósito. Por um lado a moldagem manual de barro cru, aplicado sobre sedimento escavado/moldado previamente com a configuração pretendida, por outro lado a aplicação de elementos pré-fabricados (caso da entrada e dos blocos incorporados na parede). Seguidamente terá sofrido um processo de cozedura in-situ tendo em vista a sua solidificação.
Fig. 3
Fig. 4
Na secção Oeste da sondagem é apenas visível uma pequena parte da estrutura, no entanto conservam-se, incorporados na sua parede, alguns blocos cerâmicos, (Fig. 5) cuja função prática não é clara. Podemos avançar com a hipótese de se tratar do suporte de uma grelha.
Fig. 5

Dispõe também de um pequeno corredor elaborado com blocos cerâmicos, e de uma pequena dependência (UE 125) escavada no sedimento, que o antecede. Não chegaram até nós indícios relativos à sua cobertura, provavelmente removidos pelos trabalhos agrícolas. Analisando a dimensão reduzida do corredor
, supõe-se que seria móvel, de forma a facilitar o acesso à câmara de cocção. A câmara de combustão foi escavada no solo apresentando uma base sensivelmente plana, ascendendo ligeiramente na zona da boca e do corredor. Este tipo de solução seria eficaz para reduzir as perdas de calor e facilitar a construção.
O pilar central (Fig. 6), que se encontrava bastante deteriorado, foi edificado, à semelhança das paredes, através da aplicação/moldagem de barro cru em redor do sedimento pré existente no local.
Fig. 6
Tendo em conta a morfologia da estrutura, tratar-se-ia de um forno de dupla câmara (combustão e cocção), divididas por uma grelha, da qual já não subsistem vestígios, suportada por um pilar central. Na secção Este da estrutura não eram identificáveis os blocos cerâmicos incorporados na parede, visíveis na secção Oeste, apesar de ambas as secções se encontrarem sensivelmente à mesma cota. Do mesmo modo, os contornos da estrutura assumem nesta secção da sondagem uma forma mais sinuosa quando comparados com os do lado Oeste, facto cuja explicação ainda nos ilude.
Após a remoção da estrutura foi intervencionado um conjunto de unidades estratigráficas que se encontrava em redor e abaixo desta. Da sua escavação resultou um conjunto de materiais cerâmicos enquadráveis, na sua grande maioria, na II Idade do Ferro. O conjunto de materiais cuja cronologia aponta para o período Romano Republicano tornou-se, comparativamente às unidades precedentes, bastante residual, pois de entre 267 fragmentos cerâmicos recolhidos, apenas 3 são de cronologia romana.
Removidas as Unidades Estratigráficas supracitadas foram identificadas, escavadas no substrato geológico, três estruturas negativas (Fig. 7).
Fig. 7
Uma, de pequenas dimensões e cuja forma se assemelha a um buraco de poste; as restantes, de pequena profundidade e assumindo a configuração de canais convergindo numa outra estrutura negativa cuja forma não nos foi possível identificar, pois prolonga-se para o corte sul da sondagem. Tendo em conta a visão parcelar e limitada que dispusemos, a qual os elementos materiais recolhidos não ajudaram a aclarar, não nos é possível atribuir qualquer tipo de funcionalidade às estruturas em questão, contudo, é notório que a utilização do espaço foi efectuada em duas fases distintas, a mais recente das quais, está conotada com a construção e utilização do forno.

Bibliografia:
Alcalde, M.ª (1999) – “Escavación arqueológica en la zona de la Alberca (Lorca, Murcia). Un horno alfarero de los siglos VII-VI a.C. y un centro comercial y militar de época tardopúnica y romana.” Memorias de Arqueología 14, pp. 213 – 260
Arnaud, J., Gamito, T. (1974) – “ Cerâmicas estampilhadas da Idade do Ferro do Sul de Portugal, Cabeça de Vaiamonte, Monforte”, OAP, vol. 7-9, pp. 165 - 202
Beirão, C. et alii (1985) – “Depósito votivo da II Idade do Ferro de Garvão”, OAP, série IV, pp. 45 – 136
Bernal, D. et alii (2002) – “Aportaciones al estudio de la ocupación púnica y romana en San Fernando (Cádiz). La intervención arqueológica en la carretera de Camposoto.”, Bolskan, 19, pp. 321 – 333
Calado, M. et alii (1999) – “Povoamento Proto-histórico no Alentejo Central”, Revista de Guimarães, Volume Especial, I, pp. 363 – 386
Calado, M. et alii (2007) - "Povoamento proto-histórico na margem direita do regolfo de Alqueva (Alentejo, Portugal)", Cáceres, pp. 129 - 174.
Carrasco, Mª, (2006) - El horno cerámico de las Veguillas (Camañas, Teruel)", Stvdium 12, pp. 85 - 102.
Coll Conesa, J. (2008) - "Hornos romanos en España. Aspectos de morfologia y tecnología", Editado con motivo del XXVI Congreso Internacional de la Associación Rei Cretariae Romanae.
Fabião, C. (1998) - "O Mundo indígena e a sua romanização na área Céltica do território hoje português, 3 vol., Tese de doutoramento em arqueologia apresentada à Universidade de Lisboa.
Mataloto, R. (2004) - "Um «monte» da Idade do Ferro na herdade da Sapatoa: ruralidade e povoamento no I milénio a. C. do Alentejo Central", IPA.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

V Congresso de Arqueologia do Sudoeste - Posters

A ocupação da Antiguidade Tardia do Monte das Cortes 1 (Mombeja - Beja)
Eduardo Porfírio, Rui Pedro Barbosa, Alexande Valinho



Antecedentes e Enquadramento da Intervenção

A área em redor do Monte das Cortes (Mombeja, Beja) é desde há muito referenciada na bibliografia arqueológica portuguesa pelas notícias de vestígios funerários do período romano. Daqui provém um unguentário de vidro, encontrado numa sepultura de inumação construída com tijolos (Vasconcelos, 1909: 57; Alarcão, 1978: 103, 111, Est. IV n.º 18; Alarcão, 1988: 8/83 Lopes, 2003: 26). A realização de prospecções nesta mesma área, no âmbito da Carta de Património Arqueológico e Arquitectónico de Beja, resultou na identificação de sete sítios que forneceram materiais enquadráveis no mesmo período cultural (Ricardo e Grilo, no prelo).

A equipa de acompanhamento arqueológico da Palimpsesto Lda., (Miguel Serra, Eduardo Porfírio, David Sousa, Nuno Silveira) dedicou a esta área uma atenção especial durante a execução das medidas de minimização de impactes sobre o património, decorrentes da execução do projecto “Conduta Santa Vitória, Mombeja, Beringel”. O projecto da responsabilidade da EMAS, EEM, consistia na escavação de valas para a instalação de condutas de abastecimento de água às freguesias rurais do concelho de Beja.

Ao nível geomorfológico, o local da intervenção situa-se numa imensa área aplanada, cuja diferença de cotas é quase imperceptível a olho nu. Este tipo de relevo é característico da peneplanície alentejana que aqui se materializa em ondulações pouco acentuadas, com cotas entre os 200 e os 230 metros, evoluindo para uma aplanação quase perfeita nas zonas próximas de Santa Vitória (Oliveira, 1992: 11).



Descrição dos trabalhos e principais resultados

A escavação arqueológica incidiu em duas áreas distintas, uma a Oeste do Monte das Cortes que inclui as sondagens 1 a 8. A segunda área abarca as sondagens 9 a 12 e situa-se a cerca de 500 metros a Norte dos edifícios daquela exploração agrícola. (Fig. 1).


Fig. 1

No decurso dos trabalhos arqueológicos, foi possível identificar uma ocupação da Antiguidade Tardia, a que pertencem a maioria das estruturas intervencionadas, bem como outra de época medieval ou mesmo moderna. Esta última, está documentada numa interface [707] aberta no substrato geológico (Sondagem 7), que forneceu um conjunto de fragmentos de faiança, cerâmica comum e vidrada. Importa realçar ainda, a identificação na Sondagem 8 de uma estrutura escavada no solo de base, cuja tipologia e funcionalidade não foi possível aferir na sua totalidade devido à reduzida dimensão da área de intervenção. O material arqueológico exumado neste contexto é constituída por cerâmica de fabrico manual, entre os quais se destacam vários fragmentos de prato de bordo almendrado.

A ocupação da Antiguidade Tardia

Nas sondagens 2, 3 e 4, foram referenciadas três sepulturas [204], [307] e [406] de planta sub-rectangular, orientadas no sentido Oeste-Este, construídas com pedras de pequeno e médio porte toscamente aparelhadas e materiais de construção reutilizados. No seu interior identificaram-se os restos osteológicos de três indivíduos, inumados sem espólio. Apenas a sepultura [406] conservava ainda vestígios da cobertura, constituída por grandes batólitos de granito. (Fig. 2,3,4).

Fig. 2

Fig. 3

Fig. 4


Nas sondagens 1, 5, 6, e 12 registaram-se uma série de estruturas [106], [504], [607] e [1208] que embora diferindo morfologicamente entre si, apresentam características que possibilitam classificá-las como fossas/silos, embora se possa admitir uma multi-funcionalidade mais ampla do que aquela que encerra a sua designação. O espólio arqueológico é constituído maioritariamente por cerâmica comum, de construção e fauna mamalógica, em muito menor escala recolheram-se fragmentos de vidro, de uma ânfora Almagro 51 C, de terra sigillata Hispânica e Africana. (Fig. 5, 6, 7).

Fig. 5

Fig. 6



Fig. 7

O forno identificado na Sondagem 7, [712], foi construído numa depressão escavada no solo, com recurso a um aparelho composto na sua maioria por tijolos reutilizados e pedras não aparelhadas de calibre pequeno, ligados com argamassa. Uma argamassa muito semelhante foi utilizada para pavimentar o interior desta estrutura. A câmara apresenta uma planta sub-circular a que se acede através de um corredor. (Fig. 8, 9).
Fig. 8

Fig. 9

Os restantes contextos arqueológicos intervencionados não permitiram uma atribuição funcional clara. São constituídos por uma série de depressões (Sondagens 9, 11) e fossas (Sondagem 10) de morfologia muito variada. O facto da estratigrafia das estruturas identificadas nas sondagens 9 e 10 apresentar uma grande quantidade de materiais de construção inutilizados, conduziu à sua interpretação enquanto lixeiras. De referir ainda, que numa das fossas foi recolhida uma fíbula do tipo Fowler B. (Fig. 10).

Fig. 10

Breves apontamentos em jeito de conclusão

Os resultados aqui apresentados deverão ser encarados com alguma reserva, pois o estudo deste sítio arqueológico encontra-se numa fase muito inicial, principalmente no que toca ao estudo do espólio. No entanto, é desde já possível retirar algumas ilações no que toca à documentação de três grandes períodos de ocupação: Calcolítico, Antiguidade Tardia e finais da Idade Média/Idade Moderna.

O contexto calcolítico, apesar das dimensões reduzidas da área intervencionada, não descartando a hipótese de constituir uma situação isolada, deixa antever a hipótese de se tratar de uma ocupação mais vasta espacialmente. No futuro, será interessante averiguar e caracterizar mais aprofundadamente o povoamento calcolítico nesta zona dos Barros de Beja, incluindo igualmente o sítio Murteira 6 (Cf. O sítio de Murteira 6 (Mombeja – Beja) no contexto do calcolítico do Sul de Portugal, neste congresso).

No que toca à Antiguidade Tardia, os elementos obtidos, não são concludentes para definir com precisão a dinâmica da ocupação, materializada em espaços de armazenagem, de lixeira, de produção e de utilização funerária.

A partir da fíbula de tipo Fowler B, da ânfora Almagro 51 C e dos fragmentos de terra sigillata Hispânica e Africana, muitos deles recolhidos em contextos secundários, é possível apontar uma cronologia para a amortização daquelas áreas numa data posterior aos séculos IV ou V d. C. A utilização de material de construção reutilizado nas sepulturas, a inexistência de espólio e o próprio ritual de inumação são outros elementos que contribuem, em menor medida, para apoiar a cronologia proposta.

Os vestígios atribuídos aos finais da Idade Média/Época Moderna, configuram apenas mais um caso entre muitos, que testemunham a longa diacronia da ocupação humana em certos locais. Neste caso, pensamos que os recursos hídricos e as potencialidades agrícolas dos solos desta zona, conjugados com a proximidade da cidade de Beja, terão sem dúvida desempenhado um papel importante, senão mesmo central para a fixação do povoamento nesta área ao longo dos tempos.

Bibliografia:

Alarcão, J. (1978), Vidros romanos no Museu Nacional de Arqueologia, Conimbriga, 17: 101-112.

Alarcão, J. (1988), Roman Portugal, vol. II, Fasc. 3, Warminster.

Lopes, M. C. (2003), A cidade romana de Beja. Percursos e debates acerca da “civitas” de Pax Iulia, Instituto de Arqueologia, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra.

Ricardo, I. e Grilo, C. (no prelo), Carta de Património arqueológico e arquitectónico. Beja – Caderno de Mombeja, Câmara Municipal de Beja.

Tomás, J. (coord.), (1992), Notícia explicativa da Folha 8 da Carta Geológica de Portugal, Direcção Geral de Geologia e Minas, Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa.

Vasconcelos, J. L. (1909), Unguentário de Mombeja, O Arqueólogo Português, Série 1, Vol. 14, n.º 18: 57.

domingo, 2 de janeiro de 2011

V Congresso de Arqueologia do Sudoeste - Posters

No seguimento da publicação dos posters apresentados no V Congresso de Arqueologia do Sudoeste, directamente relacionados com o Outeiro do Circo e respectivo território, apresentaremos de seguida uma série de posters relativos a sítios arqueológicos de períodos históricos distintos, mas localizados na freguesia de Mombeja. Estes locais foram intervencionados por equipas da Palimpsesto Lda. no âmbito de projectos executados pela Empresa Municipal de Água e Saneamento de Beja.



O sítio de Murteira 6 (Mombeja – Beja) no contexto do calcolítico do Sul de Portugal.
Eduardo Porfírio, Rui Pedro Barbosa, Alexandre Valinho e Marco Costa (Palimpsesto Lda.)



Resumo

A execução das medidas de minimização de impactes sobre o património, a cargo da Palimpsesto, Lda., decorrentes do projecto “Conduta Santa Vitória, Mombeja, Beringel”, relativo à implantação de condutas de abastecimento de água às freguesias rurais do concelho de Beja, da responsabilidade da EMAS, EEM, resultou na identificação junto ao Monte da Murteira, de uma série de estruturas escavadas no substrato geológico, morfologicamente muito variadas.


Após a realização de duas campanhas de escavação é possível concluir que existiu neste local uma ocupação calcolítica, materializada numa série de valados e “fossos” escavados no substrato geológico. Este tipo de estruturas permite integrar esta ocupação no âmbito das mais recentes problemáticas relativas ao povoamento calcolítico no Sul de Portugal, nomeadamente no que respeita aos designados recintos de fossos. Detectaram-se ainda, vestígios de outros períodos mais recentes, tais como um silo do período romano e entulheiras da Época Moderna/Contemporânea relacionados provavelmente com a ocupação do Monte vizinho.

Antecedentes e Enquadramento da Intervenção


O sítio Murteira 6 (Mombeja/Beja) foi referenciado pela equipa responsável pelo acompanhamento arqueológico do projecto, junto de um caminho rural contíguo ao monte da Murteira, que segue em direcção à povoação de Beringel. Identificou-se um conjunto morfologicamente variado de estruturas escavadas no "caliço" brando desta região (Fig. 1).

Fig. 1

As prospecções realizadas no decurso da elaboração da Carta de Património arqueológico e arquitectónico de Beja haviam já comprovado o potencial arqueológico de toda esta área, devido à identificação de cinco sítios nas imediações desta exploração agrícola, cronologicamente enquadráveis na Pré-História, no período Romano e até mesmo na Época Moderna (Ricardo e Grilo, np).

A topografia desta zona caracteriza-se por ser pouco acidentada, decorrendo os trabalhos numa faixa de terreno com uma suave inclinação ascendente no sentido Sul – Norte.

A homogeneidade da peneplanície é interrompida apenas pelos relevos residuais da Serra de Beringel e dos morros de Beja que se destacam com especial evidência no horizonte desafogado típico desta zona do Alentejo (Oliveira, 1992: 12-13) (Fig. 2).

Fig. 2

Descrição dos trabalhos realizados e principais resultados

No decurso das duas fases da intervenção arqueológica realizada neste local documentaram-se, várias fases de ocupação datáveis do período Calcolítico, Romano e da Época Moderna. Esta última fase está representada por grandes entulheiras de configuração semicircular escavadas no substrato geológico. As características dos depósitos que as preenchiam apontam para uma utilização relacionada com a deposição de entulhos, esta constatação é reforçada pelo facto de se terem identificado fragmentos do mesmo recipiente distribuídos por várias unidades estratigráficas.

O período romano está representado por um único contexto, constituído por um silo/fossa com cerca de 2 metros de profundidade, colmatado com vários depósitos de formação antrópica que forneceram para além de fragmentos cerâmicos incaracterísticos, vários elementos de tegula e later. A existência de contextos deste período era de algum modo prenunciada pela identificação no decorrer da primeira fase de trabalhos, de vários fragmentos de cerâmica de construção e de um bojo de ânfora, entre os materiais recolhidos à superfície e nas primeiras unidades de algumas sondagens (Fig. 3).

Fig. 3

Nas sondagens 12 e 13 identificaram-se duas estruturas de grandes dimensões escavadas no substrato geológico, [1214] e [1309], cuja configuração não foi possível determinar em função da dimensão da área intervencionada. A análise da estratigrafia não registou nenhum momento de utilização da estrutura, documentando-se apenas estratos de formação natural, incluindo vários blocos de caliço resultantes da desagregação das paredes ou da provável cobertura abobadada (Fig. 4).

Fig. 4

A estrutura do período Calcolítico melhor documentada em Murteira 6 são valas ou canais de perfil em "U", escavadas no solo base, cujas profundidades máximas rondam os 0,40 a 0,70 m, por larguras da ordem dos 0,80 a 1,20 m. Identificaram-se quatro troços de valas/canais não coincidentes entre si, sendo que a construção do troço C interceptou os sedimentos do D. Posteriormente ao abandono da vala/canal C, os seus depósitos de colmatação foram escavados para a realização de uma fossa de morfologia sub-circular, fundo aplanado, com cerca de 1m. de profundidade. No interior das estruturas do tipo vala/canal, junto à sua base, identificou-se um sedimento de granulosidade fina, o que se poderia interpretar como vestígio de uma função de índole hidráulica (Fig. 5, 6, 7).


Fig. 5

Fig. 6

Fig. 7


O material arqueológico recolhido é constituído maioritariamente por fragmentos cerâmicos, dos quais, alguns permitiram uma classificação formal e tipológica, sendo de destacar a presença de pratos de bordo espessado, taças e potes, ao nível dos elementos de preensão predominam os do tipo mamilo ou pega mamilada (Fig. 8).



Fig. 8

Conclusão e perspectivas futuras

Apesar do carácter preliminar desta notícia, contextualizando os resultados apresentados com as realidades arqueológicas conhecidas quer local quer regionalmente, é desde já possível extrair algumas conclusões gerais.

Convém referir em primeiro lugar, que à semelhança do sítio Cortes 1, localizado a cerca de 2400 m. a Nordeste (Cf. o poster A ocupação da Antiguidade Tardia do Monte das Cortes 1, Mombeja – Beja), também em Murteira 6 se documentam contextos arqueológicos de vários períodos históricos.

O período cultural representado em Murteira 6 com maior expressividade numérica, é sem dúvida o Calcolítico, evidenciando-se igualmente a existência de várias fases de construção/remodelação do espaço ocupado, situação que já havia sido constatada para outros contextos do género (Márquez Romero, Jiménez Jaiméz, 2008).

No entanto, as dúvidas quanto à atribuição de uma funcionalidade aos diversos troços de valas/canais e às duas grandes estruturas [1214] e [1309] mantém-se. Têm sido atribuídas diversas funcionalidades a estas materialidades, desde as de carácter defensivo, às de delimitação/organização do espaço, e até mesmo funções ao nível da hidráulica e do abastecimento de água ás unidades domésticas (Grilo, 2007; Hurtado, 2008; Móran, 2008). No que toca a este último caso, as características de alguns sedimentos das valas/canais escavados apontam para a possibilidade de relacionar estas estruturas com o armazenamento, a drenagem ou a circulação de águas pluviais.

Os trabalhos realizados no sítio Murteira 6 permitem adicionar um novo sítio do período Calcolítico, a uma extensa lista de locais do IV e III milénio a.C. com estruturas de tipo semelhante, no entanto, as duas intervenções realizadas são claramente insuficientes para estabelecer uma cronologia precisa para as várias fases de construção/remodelação identificadas, quer para averiguar a funcionalidade, a extensão e a configuração das estruturas, estas questões poderiam ser resolvidas em grande medida com a realização de datações laboratoriais e de uma campanha de trabalhos de prospecção geofísica e de foto-interpretação.

Só após a aquisição de alguns elementos tais como planta das estruturas, datação absoluta das fases de contrução/remodelação, será possível avançar no sentido de contextualizar a ocupação calcolítica de Murteira 6 com a de outros locais de características semelhantes cujo estudo está num estado mais avançado, tais como Porto Torrão, Perdigões, Valencina de la Concepción ou La Pijotilla (Hurtado, 2008).

Bibliografia:

Grilo, C. (2007), O povoado pré-histórico do Alto do Outeiro, Baleizão, Beja, Vipasca, 2.ª serie, 2: 95-106.

Hurtado, V. (2008), Los recintos con fosos de la Cuenca Media del Guadiana, Era-Arqueologia, 8: 183-197.

Márquez Romero, J. E. e Jiménez Jaiméz, V. (2008), Claves para el estudio de los Recintos de Fosos del sur de la Península Ibérica, Era-Arqueologia, 8: 138-171.

Móran, E. (2008), Organização espacial do povoado de Alcalar, Era-Arqueologia, 8: 138-146.

Oliveira, J. T. (coord.), (1992), Notícia explicativa da Folha 8 da Carta Geológica de Portugal, Direcção Geral de Geologia e Minas, Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa.

Ricardo, I. e Grilo, C. (no prelo), Carta de Património arqueológico e arquitectónico. Beja – Caderno de Mombeja, Câmara Municipal de Beja.